18 julho, 2011

A Vera e Henrique Antoun

Porto Alegre, 23 de dezembro [de 1971].










Vera e Henrique,




meus queridos: imaginem um mundo de coisas limpas e bonitas, onde agente não seja obrigado a fugir, fingir ou mentir, onde a gente não tenha medo nemse sinta confuso (não haverá a palavra nem a coisa confusão, porque tudo seránítido e claro), onde as pessoas não se machuquem umas às outras, onde o que agente é apareça nos olhos, na expressão do rosto, em todos os movimentos —acrescentem a esse mundo os detalhes que vocês quiserem (eu me satisfaço comum rio, macieiras carregadas, alguns plátanos e uma colina — ou coxilha, como sediz aqui no Sul — no horizonte), depois convidem pessoas azuis para se darem asmãos e fazerem uma grande concentração para concretizar esse mundo — e, então,quando ele estiver pronto, novo e reluzente como se tivesse sido envernizado,então nós nos encontraremos lá e eu não precisarei explicar nada, nem contarnenhuma estória escura, porque estórias claras estarão acontecendo à nossa volta enós estaremos sendo aquilo que somos, sem nenhuma dureza, e o que fomos ficoudependurado em algum armário embutido, junto com sapatos (quem precisarádeles para pisar na grama limpa dessa terra?), roupas e enfeites (quem precisará depanos, contas ou cores na terra onde o ar será colorido e enfeitará nossos corpos?)— lá, eu digo, nós nos encontraremos entre centauros, sereias, unicórnios eduendes, e sem dizer nada, com um olhar verde (uma das minhas grandesfrustrações sempre foi não ter olho verde — mas lá eu terei) eu direi o quantogosto de vocês, e voaremos de tanta boniteza — combinado?
(...)

Beijões do seu






Caio


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