31 outubro, 2011

O amor e suas reentrâncias


O amor desbasta o ego. Enxuga excessos. Delata as mínguas. Transforma as mágoas. Destrona arrogâncias e idealizações. Desmancha certezas e tece oportunidades. Bagunça a autoimagem todinha, piedade zero, culpa nenhuma. O amor percorre territórios devastados da alma com a calma necessária para reflorestar um a um. Dissolve neblinas. Revela o sol. Destece máscaras. Reinaugura a humildade. Faz ventar. Faz chorar. Faz sorrir. Faz tempestade um monte de vezes pra dizer também céu azul um monte de vezes depois.


O amor nos ensina a simplificar perdões porque nos humaniza e nos lembra o quanto precisamos ser igualmente perdoados por tanta coisa, tanta gente, a começar por nós mesmos. Ele dispensa julgamentos porque abraça virtudes e limitações. Ele nos aproxima do nosso tamanho e nos recorda quem somos. O amor nos revista, inteiros, pra retirar relógios, calculadoras, roteiros, estratégias, controles, defesas; não raro, escandidíssimos. Diz nas sutilezas. Diz preciosidades que, mesmo às vezes bem baixinho, conseguimos ouvir e reconhecer, por mais cético e assustado que tenha se tornado o nosso coração. 

O amor nos molda a cada movimento também para a liberdade de acolher o imprevisível, o inimaginável, o inevitável, o aprazível. Para querer ser e querer sinceramente que os outros também sejam. Ele nos torna mais sensíveis à alegria e à dor de toda gente, inclusive, principalmente, às nossas. Faz com que a gente se sinta parte da família humana. Conta que aquilo que procuramos, amiúde, num mundaréu de lugares, esteve o tempo todo, primeiro disponível, onde raramente buscamos. Reinventa-nos para nos tornar mais parecidos com nós mesmos, o máximo possível a cada instante. Dia após dia da nossa prática. Com medo e tudo. Com propósito e também com carinho. Devagarinho.


Ana Jácomo

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