27 maio, 2008


ENCANTAMENTO

há uma palavra mágica que se diz. essa palavra
é sempre diferente. montanha, precipício, brilho.
essa palavra pode ser um olhar. a voz. um olhar.

essa palavra pode ser o espaço de silêncio onde
mão se disse uma palavra. brilho, montanha.
essa palavra pode ser uma palavra, qualquer palavra.

há uma palavra mágica que se diz. há um momento.
depois dessa palavra, só depois dessa palavra,
pode começar o amor.

(José Luís Peixoto -
do livro: A Casa, a Escuridão
Edição: Temas e Debates/Lisboa-Portugal)

15 maio, 2008


Um diário é um amigo? Uma companhia? Também. Mas é sobretudo a duplicação da gente mesmo, espelho que não se apaga quando o rosto se retrai ou muda, álbum de retratos que conserva muito mais que um belo sorriso e a paisagem de fundo. Quieto, compreensivo, calmo, o diário está ali, aberto e limpo. Oferecendo seu espaço, no qual você vai desenhar a sua vida e ele apenas... receber. Ele não tem recriminações a fazer, ele não diz que a culpa é sua, ele não encosta dedos na ferida. Como uma cama, como um mar, ele recebe. Você escreve muito se a emoção é forte, vai e volta e repete e repisa o mesmo assunto. Ninguém conta seu tempo, ninguém conta suas páginas. Você pode escrever até a mão cansar, até a alma aliviar. Você pode escrever e escrever e escrever. Ele aceita. E quando não quiser escrever mais, é só fechar e guardar o diário que ele mais nada exigirá. Não me diga que não tem o que contar. Você é o centro do seu universo, nada é mais importante do que aquilo que lhe diz respeito. Isso é que faz o encanto do diário. Se fosse usado apenas para registrar a queda do governo ou a evolução dos projetos orbitais, seria desnecessário, porque para isso já existe a imprensa, os arquivos, os registros da memória nacional. O diário serve justamente para conservar o pequeno acidente humano e individual, sua discussão com um amigo, o namoro lancinante, a dúvida sobre a roupa para usar naquela festa... O diário serve para conservar você.


Marina Colasanti*

10 maio, 2008

Eu sei, mas não devia

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos
e a não ter outra vista que não seja as janelas ao redor.

E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas logo se acostuma acender mais cedo a luz.
E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A ler jornal no ônibus porque não pode perder tempo da viagem.
A comer sanduíche porque não dá pra almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra.
E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja número para os mortos.
E aceitando os números aceita não acreditar nas negociações de paz,
aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
A lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.

E a ganhar menos do que precisa.
E a fazer filas para pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e a ver cartazes.
A abrir as revistas e a ver anúncios.
A ligar a televisão e a ver comerciais.
A ir ao cinema e engolir publicidade.
A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição.

As salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
A luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias da água potável.
A contaminação da água do mar.
A lenta morte dos rios.

Se acostuma a não ouvir o passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães,
a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer.

Em doses pequenas, tentando não perceber, vai se afastando uma dor aqui,
um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se o cinema está cheio a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se a praia está contaminada a gente só molha os pés e sua no resto do corpo.

Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo
e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se
da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta,
de tanto acostumar, se perde de si mesma.

Marina Colasanti





09 maio, 2008


Vim gastando meus sapatos,
Me livrando de alguns pesos,
Perdoando meus enganos,
Desfazendo minhas malas.
Talvez assim chegar mais perto.
Vim achei que eu me acompanhava
E ficava confiante,
Outra hora era o nada,
A vida presa num barbante
E eu quem dava o nó...

...Vem nunca é tarde ou distante
Pra te contar os meus segredos,
A vida solta num instante
Tenho coragem tenho medo sim,
Que se danem os nós...”

Ana Carolina

08 maio, 2008


“...Somos assim: sonhamos o vôo mas tememos a altura .
Para voar é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio.
Porque é só no vazio que o vôo acontece.
O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas.
Mas é isso o que tememos: o não ter certezas.
Por isso trocamos o vôo por gaiolas.
As gaiolas são o lugar onde as certezas moram.
É um engano pensar que os homens seriam livres se pudessem,
que eles não são livres porque um estranho os engaiolou,
que eles voariam se as portas estivessem abertas.
A verdade é oposto. Não há carcereiros.
Os homens preferem as gaiolas aos vôos.
São eles mesmos que constroem
as gaiolas em que se aprisionam...”

* Rubem Alves *

07 maio, 2008

*Despindo a alma*


__________________Em tempos de tantas mulheres posando nuas...


Talvez a verdadeira excitação esteja, hoje, em ver uma mulher se despir de verdade - emocionalmente. Nudez pode ter um significado diferente...Muito mais intenso é assistir a uma mulher desabotoar suas fantasias, suas dores, sua história. É erótico ver uma mulher que sorri, que chora, que vacila, que fica linda sendo sincera, que fica uma delícia sendo divertida, que deixa qualquer um maluco sendo inteligente. Uma mulher que diz o que pensa, o que sente e o que pretende, sem meias-verdades, sem esconder seus pequenos defeitos - aliás, deveríamos nos orgulhar de nossas falhas, é o que nos torna humanas e não bonecas de porcelana. Arrebatador é assistir ao desnudamento de uma mulher em quem sempre se poderá confiar, mesmo que vire ex, mesmo que saiba demais.
Não é fácil tirar a roupa e ficar pendurada numa banca de jornal, mas, difícil por difícil, também é complicado abrir mão de pudores verbais, expor nossos segredos e insanidades, revelar nosso interior. Mas é o que devemos continuar fazendo. Despir nossa alma e mostrar pra valer quem somos o que trazemos por dentro. Não conheço strip-tease mais sedutor.


(Martha Medeiros)*


04 maio, 2008

*Pérolas do Mestre Cult*



"Certo dia, atrasei-me ao voltar da escola
e meus pais pensaram que eu havia sido seqüestrado.
E aí entraram imediatamente em ação: alugaram meu quarto".


"Eu era muito jovem para ter um carro.
Então transava com as moças
no banco de trás de minha bicicleta".

"Em Viena, em 1906, por cinco dólares você podia ser analisado pelo próprio Freud. Por dez dólares, Freud deixaria que você o analisasse. E, por quinze dólares, ele não apenas não o analisaria como passaria suas calças a ferro".


"Juro que não sabia que Hitler era nazista. Durante muito tempo pensei que ele trabalhasse para a companhia telefônica".


"Meu pai trabalhou na mesma empresa durante doze anos.
Eles o demitiram e o substituíram por uma maquininha deste tamanho, que faz tudo o que o meu pai fazia, só que muito melhor. O deprimente é que minha mãe também comprou uma igual".


"Meus reflexos não são muito bons. Certa vez
fui atropelado por um carro que estava sendo empurrado por dois sujeitos".


"Na Califórnia não se joga o lixo fora. Eles o
reciclam na forma de programas de TV".


"Por que escovar os dentes quatro vezes ao dia e fazer sexo duas vezes por semana? Por que não o contrário?"


"Quando eu era pequeno, meus pais descobriram que eu tinha tendências masoquistas. Aí passaram a me bater todo dia, para ver se eu parava com aquilo".


"Se eu acho que sexo é sacanagem? Só quando é bem feito".


"Todas as minhas tentativas de suicídio foram um fiasco. Eu vivia abrindo as janelas e fechando o gás".


- Wood Allen -

Quem gostou da Ideia