30 abril, 2011

Eu te amo e suas estréias



Te amo mais uma vez esta noite
talvez nunca tenha cometido 'euteamo'
assim tantas seguidas vezes, 
mal cabendo no fato
e no parco dos dias.
Não importo, importa é a alegria límpida
de poder deslocar o 'Eu te amo'
de um único definitivo dia
que parece bastá-lo como juramento
e cuja repetição parece maculá-lo ou duvidá-lo…
Qual nada!
Pois que o euteamo é da dinâmica dos dias
É do melhoramento do amor
É do avanço dele
É verbo de consistência
É conjugação de alquimia
É do departamento das coisas eternas
que se repetem variadas e iguais todos os dias
na fartura das rotações e seus relógios de colmeias
no ciclo das noites e na eternidade das estréias:
O sol se aurora e se põe
com exuberância comum e com novidade diária
e aí dizemos em espanto bom: Que dia lindo!
E é! Porque só aquele dia lindo
é lindo como aquele.
Nossa sede, por mais primitiva,
é sempre uma
Uma loucura da falta inédita
até o paraíso da água nova
no deserto da nova goela.
Ela, a água,
a transparente obviedade que
habita nosso corpo
e nos exige reposição cujo modo
é o prazer.
Vê: tudo em nós comemora
o novo milenar de si
todas as horas:
Comer é novidade
Dormir é novidade
Doer é novidade
Sorrir é novidade
Banhar-se é novidade
Transar é novidade
Beijar é novidade
Maravilhosa repetitiva verdade que se
expõe em cachos a nosso dispor
variando em sabor e temor e glória
Por isso euteamo agora
como nunca antes
Porque quando euteamei ontem
Euteamava naquele tempo
e sou hoje o gerúndio
daquela disposição de verbo
Euteamo hoje com você dentro
embora sem você perto
euteamo em viagem
portanto em viragem
diferente da que quando
estava perto.
Meu certo é alto, forte
Euteamo como nunca amei
você longe, meu continente, meu rei
Euteamo quantas vezes for sentido
e só nesse motivo é que te amarei.


29 abril, 2011

O menino Azul



O menino quer um burrinho
para passear.
Um burrinho manso,
que não corra nem pule,
mas que saiba conversar.

O menino quer um burrinho
que saiba dizer
o nome dos rios,
das montanhas, das flores,
— de tudo o que aparecer.

O menino quer um burrinho
que saiba inventar histórias bonitas
com pessoas e bichos
e com barquinhos no mar.

E os dois sairão pelo mundo
que é como um jardim
apenas mais largo
e talvez mais comprido
e que não tenha fim.

(Quem souber de um burrinho desses,
pode escrever
para a Ruas das Casas,
Número das Portas,
ao Menino Azul que não sabe ler.)



É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.
É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.
O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.
O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.




27 abril, 2011

Aos caminhos, eu entrego o nosso encontro...







E de repente, não mais que, 
uma tarde quase quebrando de tão clara, 
você chegou na minha saudade.




"vimos uma margarida e nem sequer era primavera e disseste que margarida era amarelo e branco e eu disse que branco era paz e disseste que amarelo era desespero e dissemos quase juntos que margarida era então desespero cercado de paz por todos os lados"

26 abril, 2011


Você tampa a panela, dobra o avental, deixa a lágrima secar no arame do varal. Fecha a agenda, adia o problema, atrasa a encomenda, guarda insucessos no fundo da gaveta. A idéia é tirar a tarja preta e pôr o dedo onde se tem medo. Você vai perceber que a gente é que faz o monstro crescer. Em seguida superar o obstáculo, pois pode-se estar perdendo um espetáculo acontecendo do outro lado. Atravessar o escuro até conseguir tatear o muro, que é o limite da claridade. Se tiver capacidade para conquistá-la, tente retê-la o mais que puder. Há que ter habilidade, sem esquecer que a luz é mulher. Do inferno assim desmascarado, é hora de voltar. Não importa se é caminho complicado, se a curva é reta, ou se a reta entorta. Você buscou seu brilho, voltou completa; jogou a tranca fora, abriu a porta. 



Só por hoje vou rasgar os códigos. Desacato as regras, os preços módicos. Só por hoje desacredito das retas, descarrilho do trilho, desvio das setas. Preciso de tempo pra sonhar, respirar fundo e carregar na mão o sal da vida e o mel do mundo. Se o compromisso tocar a campainha, peço que aguarde na casa vizinha, mansamente, sem fazer alarde. Mas comunico a todos pela imprensa que sumiu a lucidez. Pediu licença. 
É só por hoje, mas agora é minha vez. 




Estou perdidamente emaranhada em seus fios de delícias e doçuras. Já não encontro o começo da meada, não sei nem mesmo se há uma ponta de saída, ou se a loucura vai num ritmo crescente até subjugar a minha vida. Não importa. Quero seus nós de seda cada vez mais cegos e apertados a me costurar nas malhas e nos pêlos. Enquanto você me amarra, permanece atado na própria trama redonda do novelo. 

Enlevo



Eu olho você grande e distante
e da sua grandeza me comovo
e da sua distância me revolto.

Olho de novo.
Procuro reter em minhas mãos
sua figura mas ela gesticula,
oscila e cresce
e numa inconstância distraída
no instante exato
por trás da vida desaparece.

Um desacato.
Do meu desaponto eu me levanto
pra levar embora outro desencanto
mas você me divisa e então me chama.
Me aguarda, reclama
e me convida e minha vida
nessa ansiedade por fim entrego.
E nesse amor feito de espuma
colorida nós flutuamos:
você borbulha,
eu escorrego,
ensaboados,
você explode,
eu me desintegro.

25 abril, 2011

Prece para quem se ama



Desejo que a sua vida inteira seja abençoada, cada pequenino trecho dela, em toda a sua extensão. Que cada bênção abrace também as pessoas que ama e seja tão vasta que leve abraço a outros tantos seres, sobretudo àqueles que mais sofrem, seja lá por que sofrem. Desejo que os nós que apertam o seu coração sejam gentilmente desatados e que os sentimentos que os formaram se transformem na abertura capaz de criar belos laços de afeto. Desejo que o seu melhor sorriso, esse aí tão lindo, aconteça incontáveis vezes pelo caminho. Que cada um deles crie mais espaço em você. Que cada um deles cure um pouco mais o que ainda lhe dói. Que cada um deles cante uma luz que, mesmo que ninguém perceba, amacie um bocadinho as durezas do mundo.


Desejo que volte para o seu mar quantas vezes forem necessárias até encontrar o seu tesouro. Que quando encontrá-lo, não seja avarento. Que descubra maneiras para compartilhar a sua felicidade, o jeito mais gostoso para se expandir a riqueza. Desejo que quando os ventos da mudança ventarem mais forte, e sentir medo de ser carregado junto com tudo o que parecerem arrastar, você já conheça o lugar onde nada pode arrastá-lo. Que já saiba maneiras de respirar mais macio, quando as circunstâncias lhe encurtarem o fôlego. Que, com o passar do tempo, a sua alma se torne cada vez mais maleável, mas que seja firme o bastante para nunca desistir de você.

Desejo que tudo o que mais lhe importa floresça. Que cada florescimento seja tão risonho e amoroso que atraia os pássaros com o seu canto, as borboletas com as suas cores, o toque do sol com seu calor mais terno, e a chuva que derrama de nuvens infladas de paz. Desejo que, mais vezes, além de molhar só os pés, você possa entrar na praia da poesia da vida com o coração inteiro e brincar com a ideia que cada onda diz. Que, ao experimentar um caixote ou outro, não se arrependa por ter entrado na água, nem desista de brincar. Todo mundo experimenta um caixote ou outro, às vezes um monte deles, quando se arrisca a viver. O outro jeito é estar morto. O outro jeito é não sentir.

Desejo que não tenha tanta pressa que esqueça de colher estrelas com os olhos, nas noites em que o céu vira jardim, e levar para plantar no seu coração as mudas daquelas mais luzentes. Que tenha sabedoria para encontrar descanso e alimento nas coisas mais simples da vida. Que a cada manhã a sua coragem acorde bem juntinho de você, sorria pra você, e o convide para viverem uma história toda nova, apesar do cenário aparentemente costumeiro. Que tenha saúde no corpo, saúde na alma, saúde à beça.

Desejo que encontre maneiras para ser feliz no intervalo entre o instante em que cada dia acorda e o instante em que ele se deita pra dormir, porque a verdade é que a gente não sabe se tem outro dia. Que quanto mais passar a sua alma a limpo, mais descubra, mais desnude, mais partilhe, com medo cada vez menor, a beleza que desde sempre você é. Que se sinta livre e louco o bastante pra deixar a sua essência florir. 

Não importa quanto tempo passe, não importa onde eu esteja, não importa onde esteja você, abra os olhos pra dentro e ouça: o meu coração estará dizendo esta mesma prece de amor para o seu. Amor incondicional, exatamente como neste instante. Não importa o quanto a gente mude, o quanto a distância aparente nos afastar, isto que sinto por você, eu sei, não muda nunca mais.



“Penso em você apesar de não sentir sua falta e muito menos sua presença. Penso em você porque sinto um vazio, que eu não sei do quê e nem por quê. Revelo, então, mais uma vez, minha estupidez, já que não é você quem vai me salvar e nem muito menos me catapultar pra uma dimensão mais tranquila e menos ansiosa de coisas que não têm nome.” 





Caio Fernando


Imagem: Melancolia, de Munch

24 abril, 2011

BUQUÊ DE PRESSÁGIOS

De tudo, talvez, permaneça
o que significa. O que
não interessa. De tudo,
quem sabe, fique aquilo
que passa. Um gerânio
de aflição. Um gosto
de obturação na boca.
Você de cabelo molhado
saindo do banho.
Uma piada. Um provérbio.
Um buquê de presságios.
Sons de gotas na torneira da pia.
Tranqueiras líricas
na velha caixa de sapatos.
De tudo, talvez, restem
bêbadas anotações
no guardanapo.
E aquela música linda
que nunca toca no rádio.


"BUQUÊ DE PRESSÁGIOS"
Marcelo Montenegro

Perdoe-me




Não ferimos aqueles que nos são indiferentes, mas exatamente os que, por um motivo ou por outro, sacodem as fibras mais intimas do nosso coração.


Lúcio Cardoso
Crônica da Casa Assassinada

Porque há algo que



Algo que ficou pela metade, a casa vazia ou a frase incompleta ou alguma reticência, como se as reticências pudessem significar alguma coisa, ou porque as reticências signifiquem o que a gente quiser. Porque há algo que ficou pela metade. Algo que vem depois. Porque há coisas que demoram a existir. E que é necessário repetir, uma e outra vez.

Carola Saavedra,
Flores azuis


Tenho mais que fazer que reler-me.
Reler-me custa. É pensar prisioneiro.
Nenhuma, cadeia nenhuma serve ao pensamento livre
E a cadeia que em nós pomos na cabeça
é a pior,
é a pior de todas.
Já alguém alguma vez viu no ar um pássaro voando com as suas próprias asas? 
não, isso é engano.
O pássaro que voa, voa ajudado pelo vento.
E faz de conta
que asas não tem.
O ar o ajuda? Talvez… O ar o ajuda…
Se o pássaro, porém, quiser voar
duas vezes:
não voa, não voa!, com as dele mesmo
asas.
Dele é e não é o voo que lhe pertence.
E irrepetível é o ar que o move.
Dentro de si circula.


de Um e o Mesmo Livro, de Raul de Carvalho, 1984.

Tudo me interessa e nada me prende




E assim sou, fútil e sensível, capaz de impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis, mas nunca de um sentimento que subsista, nunca de uma emoção que continue, e entre para a substância da alma. Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa; uma impaciência da alma consigo mesma, como com uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende.


Bernardo Soares
Livro do Desassossego

Mary e Max


A razão por eu te perdoar é porque você não é perfeita. Você é imperfeita e eu também. Todos os humanos são imperfeitos, até mesmo o homem do lado de fora do meu apartamento que joga lixo no chão. Quando eu era jovem eu queria ser qualquer pessoa, menos eu. O Dr. Bernard Hazelhof disse que se eu estivesse numa ilha deserta então eu teria que me acostumar com a minha própria companhia, ele disse que eu teria que aceitar a mim mesmo, meus defeitos e tudo o mais e que nós não escolhemos nossos defeitos, eles são parte de nós e nós temos que viver com eles. Mas nós podemos escolher os nossos amigos e eu fico feliz por ter escolhido você. O Dr. Hazelhof também diz que a vida de todo o mundo é como uma longa calçada. Algumas são bem pavimentadas. Outras, como a minha, têm fendas, cascas de banana e bitucas de cigarro. Sua calçada é como a minha, mas provavelmente sem tantas fendas. Com esperança, um dia nossas calçadas vão se encontrar, e nós poderemos dividir uma lata de leite condensado. Você é minha melhor amiga. Você é minha única amiga. 

Seu amigo de correspondência americano, 
Max Jerry Horowitz.

Do filme Mary & Max 
( História da amizade de um americano de 44 anos e uma australiana de 8)

23 abril, 2011

Os homens....


Em água e vinho se definem os homens.
Homem água. È aquele fácil e comunicativo.
Corrente, abordável, servidor e humano.
Aberto a um pedido, a um favor,
ajuda em hora difícil de um amigo, mesmo estranho.
Dá o que tem
- boa vontade constante, mesmo dinheiro, se o tem.
Não espera restituição nem recompensa.

É como água corrente e ofertante,
encontradiça nos descampados de uma viagem.
Despoluída, límpida e mansa.
Serve a animais e vegetais.
Vai levada a engenhos domésticos em regueiras,
represas e açudes.
Aproveitada, não diminui seu valor,
nem cobra preço.
Conspurcada seja, se alimpa pela graça de Deus
que assim a fez, servindo sempre
e à sua semelhança fez certos homens que
encontramos na vida
- os Bons da Terra – Mansos de Coração.
Água pura da humanidade.

Há também, lado-a-lado, o homem vinho.
Fechado nos seus valores inegáveis e nobreza
reconhecida.
Arrolhado seu espírito de conteúdo excelente em
todos os sentidos.
Resguardados seus méritos indiscutíveis.
Oferecido em pequenos cálices de cristal a amigos
e visitantes excelsos, privilegiados.

Não abordável, nem fácil sua confiança.
Correto. Lacrado.
Tem lugar marcado na sociedade humana.
Rigoroso.
Não se deixa conduzir – conduz.
Não improvisa – estuda, comprova.
Não aceita que o golpeiam,
defende-se antecipadamente.
Metódico, estudioso, ciente.

Há de permeio o homem vinagre,
uma réstia deles,
mas com esses não vamos perder espaço.
Há lugar na vida para todos.
Em qual dos grupos se julga situado você, leitor
amigo?


21 abril, 2011






Às vezes tudo se ilumina de uma intensa irrealidade

E é como se agora este pobre, este único, este efêmero instante do mundo
Estivesse pintado numa tela,
Sempre...

Poema da gare de Astapovo

O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos 
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo,
Contra uma parede nua...
Sentou-se...

e sorriu amargamente Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Glória,
Esse irrisório chocalho cheio 
de guizos e fitinhas Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E então a Morte,
Ao vê-lo sozinho àquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali à sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A Morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se até não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa...
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos os que realizam os velhos sonhos da infância!



19 abril, 2011



”(…) dormindo e esquecendo a tristeza, acordando e repondo a esperança, aqueles que resistem e talvez envelheçam sem completar seus sonhos, que respeitam as pequenas alegrias porque podem ser as únicas, que não decidiram se diminuem a expectativa para sair da solidão ou aumentam as exigências para justificá-la.”

Faço paisagens com o que sinto


"Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto." "De resto, com que posso contar comigo? Uma acuidade horrível das sensações, e a compreensão profunda de estar sentindo...Uma inteligência aguda para me destruir, e um poder de sonho sôfrego de me entreter...Uma vontade morta e uma reflexão que a embala, como a um filho vivo..."

17 abril, 2011

Preciso varrer os meus dias



vara o dia
varrendo a noite
cata um sonho
sonha um vento
algo que fique


por pouco
por muito pouco
um cisco que seja
algo que signifique.



Amém


(...)Retrovisor é passado
É de vez em quando... do meu lado
Nunca é na frente
É o segundo mais tarde... próximo... seguinte
É o que passou e muitas vezes ninguém viu
Retrovisor nos mostra o que ficou; o que partiu
O que agora só ficou no pensamento
Retrovisor é mesmice em dia de trânsito lento
Retrovisor mostra meus olhos com lembranças mal resolvidas
Mostra as ruas que escolhi... calçadas e avenidas
Deixa explícito que se vou pra frente
Coisas ficam para trás
A gente só nunca sabe... que coisas são essas

Teatro Mágico

o amor é fecundo e criador



Na obra educativa, só o amor é fecundo e criador.
Por isso há tanta afinidade entre a maternidade e a educação.
As mulheres são professoras natas…
Essa vocação é a mais bela possível, 
porque é uma colaboração direta
na própria obra de Deus. 
Como a do artista.

Alceu Amoroso Lima

15 abril, 2011



"Eu não sou legal, não mesmo. Acho que sempre tenho razão e quando minhas previsões dão certo olho com a cara mais abominável do mundo, dou um sorriso irônico e falo o clássico eu-te-avisei. É que, em geral, eu tenho razão. Essa é a primeira –e mais importante – coisa que você precisa aprender a meu respeito. (...) Não sei receber elogios, fico sem saber o que fazer, me atrapalho e acabo trocando de assunto – quando não troco as pernas e tropeço em algum canto de mim. Sorrio para disfarçar desconfortos. Se eu não gosto de você é bem provável que você tenha medo do meu olhar. E eu posso simplesmente não gostar de você de graça. Se eu gostar de você aviso de antemão que você é uma pessoa de sorte. Eu me entrego. Quem vive comigo sabe. Quem convive comigo sente. Eu amo poucos. Mas esses poucos, pode apostar, amo muito."

Clarissa Corrêa

13 abril, 2011

Entendendo o mundo, os jovens e suas evoluções

Feliz dia do beijo

O beijo do soldado



Beijo é maravilhoso porque você interage com o corpo do outro sem deixar vestígios, é um mergulho no escuro, uma viagem sem volta. Beijo é uma maneira de compartilhar intimidades, de sentir o sabor de quem se gosta, de dizer mil coisas em silêncio. Beijo é gostoso porque não cansa, não engravida, não transmite o HIV. Beijo é prático porque não precisa tirar a roupa, não precisa sair da festa, não precisa ligar no dia seguinte. E sem essa de que beijo é insalubre porque troca-se até 9 miligramas de água, 0,7 grama de albumia, 0,18 de substâncias orgânicas, 0,711 miligrama de matérias gordurosas e 0,45 miligrama de sais, sem contar os vírus e as bactérias. Quem está preocupado com isso? Insalubre é não amar.



Casamento entre o céu e a terra




"Hoje nos encontramos numa fase nova na humanidade. Todos estamos regressando à Casa Comum, à Terra: os povos, as sociedades, as culturas e as religiões. Todos trocamos experiências e valores. Todos nos enriquecemos e nos completamos mutuamente. (...)

(...) Vamos rir, chorar e aprender. Aprender especialmente como casar Céu e Terra, vale dizer, como combinar o cotidiano com o surpreendente, a imanência opaca dos dias com a transcendência radiosa do espírito, a vida na plena liberdade com a morte simbolizada como um unir-se com os ancestrais, a felicidade discreta nesse mundo com a grande promessa na eternidade. E, ao final, teremos descoberto mil razões para viver mais e melhor, todos juntos, como uma grande família, na mesma Aldeia Comum, generosa e bela, o planeta Terra."


Leonardo Boff

12 abril, 2011



“Poderíamos casar, teríamos um apartamento, tomaríamos café as cinco da tarde, discordaríamos quanto a cor das cortinas, não arrumaríamos a cama diariamente, a geladeira seria repleta de congelados e coca-cola, o armário de porcarias, adiaríamos o despertador umas trinta vezes, sentaríamos na sala de pijama e pantufas, sairíamos pra jantar em dia de chuva e chegaríamos encharcados, nos beijaríamos no meio de alguma frase, você pegaria no sono com a mão no meu cabelo e eu, escutando sua respiração. Eu riria sem motivo e você perguntaria porque, eu não responderia, saberíamos.” 

Soneto do amigo



Enfim, depois de tanto erro passado 
Tantas retaliações, tanto perigo 
Eis que ressurge noutro o velho amigo 
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado 
Com olhos que contêm o olhar antigo 
Sempre comigo um pouco atribulado 
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano 
Sabendo se mover e comover 
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...


11 abril, 2011

Somos todos loucos por aqui



"Nesta direção", 
disse o Gato, girando a pata direita, 
"mora um Chapeleiro. E nesta direção", apontando com a pata esquerda, 
"mora uma Lebre de Março. 
Visite quem você quiser, são ambos loucos."
"Mais eu não ando com loucos", observou Alice.
"Oh, você não tem como evitar", disse o Gato, 
"somos todos loucos por aqui. Eu sou louco. Você é louca".
"Como é que você sabe que eu sou louca?", disse Alice.
"Você deve ser", disse o Gato, 
"Senão não teria vindo para cá."


Trecho do livro 'Alice no País das Maravilhas'

09 abril, 2011





Eu estou só.
O gato está só.
As árvores estão sós.
Mas não o só da solidão: o só da solistência.
















João Guimarães Rosa






Que suas lembranças não sejam o que faltou dizer....


(Carpinejar)


"Pensei o quanto desconfortável é ser trancado do lado de fora;
e pensei o quanto é pior, talvez, ser trancado no lado de dentro."


Virginia Woolf

08 abril, 2011




"Enquanto dura o baixo astral, perco tudo. As coisas caem dos meus bolsos e da minha memória: perco chaves, canetas, dinheiro, documentos, nomes, caras, palavras. Eu não sei se será mau-olhado. 
Pura casualidade, mas às vezes a depressão demora em ir embora e eu ando de perda em perda, perco o que encontro, não encontro o que eu busco, e sinto medo que numa dessas distrações, acabe deixando a vida cair".


[Eduardo Galeano, O Baixo Astral, em O Livro dos Abraços]


A vida é incontornável, a gente perde, leva porrada, é passado para trás, cai. 
Dói, eu sei como dói, mas passa.
Está vendo a felicidade ali na frente?
Não, você não está vendo, porque tem uma montanha de dor na frente.
Continue andando, você vai subir, vai sentir frio lá em cima,
cansaço. Vai querer desistir,
mas não vai desistir porque você é forte
e porque depois do topo a montanha começa a diminuir,
e o único jeito de deixá-la para trás é continuar andando.
Você vai ser feliz .
Está vendo essa dor que agora sambar no seu peito de salto agulha?
Você ainda vai olhá-la no fundo dos olhos e rir da cara dela.
Juro que estou falando a verdade, eu não minto, vai passar.

Caio





(...)Uma mulher infeliz por ter amor de menos,
outra infeliz por ter amor demais,
e o amor injustamente crucificado por ambas.
Coitado do amor, é sempre acusado de provocar dor,
quando deveria ser reverenciado simplesmente
por ter acontecido em nossa vida,
mesmo que sua passagem tenha sido breve.
E se não foi, se permaneceu em nossa vida,
aí é o luxo supremo.
Qualquer amor - até aqueles que a gente inventa -
merece nossa total indulgência,
porque quem costuma estragar tudo, caríssimos, não é ele, 
somos nós.
Eu sei que nunca mais encontrarei ninguém que inspire uma paixão.
Você sabe, não é tarefa fácil amar alguém.
É preciso ter uma energia, uma generosidade, uma cegueira.
Há até um momento, bem no início,
em que é preciso saltar por cima de um precipício:
Se refletirmos, não o fazemos.

Sei que nunca mais saltarei...

(Sartre)



Os dias lindos



Acontece em abril, nessa curva do mês que descamba para a segunda metade. Os boletins meteorológicos não se lembraram de anunciá-lo em linguagem especial. Nenhuma autoridade, munida de organismo publicitário, tirou partido do acontecimento. Discretos, silenciosos, chegaram os dias lindos.
E aboliram, sem providências drásticas, o estatuto do calor. A temperatura ficou amena, conduzindo à revisão do vestuário. Protege-se um tudo-nada o corpo, que vivia por aí exposto e suado, bufando contra os excessos da natureza. Sob esse mínimo de agasalho, a pele contente recebe a visita dos dias lindos.
A cor. Redescobrimos o azul correto, o azul azul, que há meses se despedaçara em manchas cinzentas no branco sujo do espaço. O azul reconstituiu-se na luz filtrada, decantada, que lava também os matizes empobrecidos das coisas naturais e das fabricadas. A cor é mais cor, na pureza deste ar que ousa desafiar os vapores, emanações e fuligens da era tecnológica. E o raio de sol benevolente, pousando no objeto, tem alguma coisa de carícia.
O ar. Ficou mais leve, ou nós é que nos tornamos menos pesadões, movendo-nos com desembaraço, quando, antes, andar era uma tarefa dividida entre o sacrifício e o tédio? Tornou-se quase voluptuoso andar pelo gosto de andar, captando os sinais inconfundíveis da presença dos dias lindos.
Foi certamente num dia como estes que Cecília Meireles escreveu: "A doçura maior da vida flui na luz do sol, quando se está em silêncio. Até os urubus são belos, no largo círculo dos dias sossegados". Porque a primeira conseqüência da combinação de azul e leveza de ar é o sossego que baixa sobre nosso estoque de problemas. Eles não deixam de existir. Mas fica mais fácil carregá-los.
Então, é preciso fazer justiça aos dias lindos, oferecer-lhes nossa gratidão. Será egoísmo curti-los na moita, deixando de comentar com os amigos e até com desconhecidos que por acaso ainda não perceberam o raro presente de abril: "Repare como o dia está lindo". Não precisa botar ênfase na exclamação. Pode até fazê-la baixinho, como quem transmite boato e não deseja comprometer-se com a segurança nacional. Mesmo assim, a afirmação pega. Não só o dia fica mais lindo, como também o ouvinte, quem sabe se distraído ou de lenta percepção sensorial, ganha a chance de descobri-lo igualmente. Descobre e passa adiante a informação.
A reação em cadeia pode contribuir para amenizar um tanto o que eu chamo de desconcerto do mundo. De onde se conclui: deixar de lado, mesmo por instantes, o peso dos acontecimentos mundiais trágicos, esmagadores, para degustar a finura da atmosfera e a limpidez das imagens recortadas na luz, é um passo dado para reduzir o desconcerto, na medida em que a boa disposição de espírito de cada um pode servir de prefácio, ou rascunho de prefácio, à pacificação, ou relativa pacificação, dos povos e seus dominadores. Em vez de alienação, portanto, o prazer dos dias lindos é terapia indireta.
Pode ser que o desconhecido lhe responda com um palavrão, desses em moda na sociedade mais fina. Não faz mal. Não se ofenda. Ele descarregou sobre a sua observação amical o azedume que ameaçava corroê-lo no íntimo. Livre desse fel, talvez se habilite a olhar também para o céu e a descobrir mesmo certa beleza esvoaçante no urubu. De qualquer modo foi avisado. Já sabe o que estava perdendo: a consciência de que certos dias de abril e maio são mais lindos do que os outros dias em geral, e nos integram num conjunto harmonioso, em que somos ao mesmo tempo ar, luz, suavidade e gente.


Drummond

Quem gostou da Ideia