27 fevereiro, 2012

Criança diz cada uma...




Sinto inveja da desconcertante criatividade das crianças que, sem cabecismos concretistas ou ambições pseudo-literárias, de repente criam do nada sacadas poéticas como esta: – A cor do céu depende da hora, do tempo e de quem olha. Quem diz que o céu é azul, nem desconfia que, de noite, ele pode ser preto e, quando vai anoitecendo, pode até ser rosa ou vermelho. Quem diz que o céu é azul é analfabeto de céu.

Adultos são o que as crianças se tornam depois que começam a produzir hormônios e a largar sonhos pelo caminho. E é assim que nos tornamos maduros, responsáveis e burrocráticos. Não é de se estranhar, pois, o sucesso da coluna que o dramaturgo e pediatra Pedro Bloch publicava toda semana na revista Manchete, intitulada “Criança Diz Cada Uma”. Nela, Bloch narrava tiradas espontâneas e engraçadíssimas, protagonizadas pelas crianças (de 3 a 11 anos de idade) que passavam pelo seu consultório (como a fala sobre a cor do céu do parágrafo acima).

Olhem só no que deu:

ADULTO – É uma pessoa que sabe tudo, mas quando não sabe diz logo: “veja na enciclopédia”.

ALEGRIA – É um palhacinho no coração da gente.

AMAR – É pensar no outro, mesmo quando a gente nem tá pensando.

BOCA – É a garagem da língua.

BONITA – “Se eu sou bonita ou inteligente? Se eu sou bonita, você vê na cara. E se eu sou inteligente, nem respondo a uma pergunta boba dessas”.

CABELO – É uma coisa que serve pra gente não ficar careca.

CALCANHAR – É o queixo do pé.

CHOCOLATE – É uma coisa que a gente nunca oferece aos amigos porque eles aceitam.

COBRA – É um bicho que só tem rabo.

CRIANÇA – Ser criança é não estragar a vida.

DEUS – Um dia eu disse que Deus era muito distraído e todo mundo riu. Só não sei a graça que isso tem.

ELÉTRONS – São os micróbios da eletricidade.

ESPERANÇA – É um pedaço da gente que sabe que vai dar certo.

FÉ – É uma menininha, na praia, esvaziando o mar com um baldezinho de plástico furado.

FUTEBOL – É um jogo em que, às vezes, a trave joga melhor que o goleiro. Pega tudo.

FUTURO – É tudo que vem depois e, quando chega, já era.

INFERNO – É um lugar onde a gente morre muito mais.

MENTIRA – (ouve-se o estraçalhar de um vidro no banheiro e o menino grita) – “É mentira do barulho!”

MISTÉRIO – É uma coisa que a gente não sabe explicar direito e, quando explica, já não é.

NAMORADO – É uma pessoa que tem medo do claro.

NEVOEIRO – É poeira do frio.

PACIÊNCIA – É uma coisa que mamãe perde sempre.

PIADA – É uma coisa engraçada que perde a graça quando a pessoa avisa que vai ser.

POLUIÇÃO – É sujeira do progresso.

REDE – É uma porção de buracos amarrados com barbante.

REFLEXO – É quando a água do lago se veste de árvores.

RELÂMPAGO – É um barulho rabiscando o céu.

SAUDADE – É quando uma pessoa que devia estar perto está longe.

SONO – É saudade de dormir.

SORTE – É a gente acordar, se preparar pra ir pra escola e descobrir que é feriado nacional.

STRIP-TEASE – É mulher tirando a roupa toda, na frente de todo mundo, sem ser pra tomar banho.

TRISTEZA – É uma criança com gesso no pé, sem assinatura.

VEIAS – São raízes que aparecem no pescoço das meninas que gritam.

VIDA – A vida de muita gente é só gol contra.

VIDA – A vida a gente não explica. Vive.

XINGAR – Quando eu xingo a minha avó, só xingo a metade que é do meu irmão.






Extraído do Blog 
Pensar Enlouquece


Receita de Viver



Viver é expandir, é iluminar. Viver é derrubar barreiras entre os homens e o mundo. Compreender. Saber que, muitas vezes, nossa jaula somos nós mesmos, que vivemos polindo as nossas grades, ao invés delas nos libertarmos.

Procuro descobrir nos outros sua dimensão universal, única. Sou coletivo. Tenho o mundo dentro de mim. Um profundo respeito humano. Um enorme respeito à vida. Acredito nos homens. Até nos vigaristas. Procuro desenvolver um sentido de identificação com o resto da humanidade. Não nado em piscina se tenho o mar. Por respeito a cada ser humano em todos os cantos da terra, e por gostar de gente — gostar de gostar — é que encontro em cada indivíduo o reflexo do Universo.

As pessoas chamam de amor ao amor-próprio. Chamam de amor ao sexo. Chamam de amor a uma porção de coisas que não são amor. Enquanto a humanidade não definir o amor, enquanto não perceber que o amor é algo que independe da posse, do egocentrismo, da planificação, do medo de perder, da necessidade de ser correspondido, o amor não será amor.

A gente só é o que faz aos outros. Somos conseqüências dessa ação. Não fazer… me deixa extenuado.

Talvez a coisa mais importante da vida seja não vencer na vida, não se realizar.

O homem deve viver se realizando.

O realizado botou ponto final.

Não podemos viver, permanentemente, grandes momentos. Mas podemos cultivar sua expectativa.

Acredito em milagre. Nada mais miraculoso que a realidade de cada instante.

Acredito no sobrenatural. O sobrenatural seria o natural mal explicado, se o natural tivesse explicação.

Enquanto o homem não marcar um encontro consigo mesmo, verá o mundo com prisma deformado. E construirá um mundo em que a lua terá prioridade. Um mundo mais lua do que luar…


Pedro Bloch

Cura

A mão Divina é
de uma delicadeza indizível
quando o seu cuidado desmedido
repousa tantos milagres
sobre minhas convicções
tão temperamentais e inteiras.

Então já me sinto curada
de todos os detalhes mal vividos
e de todas as minhas metades mal feitas.

BENDITA
é a renúncia que anuncia
palavras vindouras,
a cada sorriso.

Por essa, me deixo ir.
E não volto.

Há amores de tempos maiores.

Priscila Rôde

Eu passarinho





Um passarinho pediu a meu irmão para ser sua árvore.

Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.

No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de

sol, de céu e de lua mais do que na escola.

No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo

mais do que os padres lhes ensinavam no internato.

Aprendeu com a natureza o perfume de Deus.

Seu olho no estágio de ser árvore aprendeu melhor o azul.

E descobriu que uma casa vazia de cigarra esquecida

no tronco das árvores só serve pra poesia.

No estágio de ser árvore meu irmão descobriu 

que as árvores são vaidosas.

Que justamente aquela árvore na qual meu irmão se transformara,

envaidecia-se quando era nomeada para o entardecer dos pássaros

e tinha ciúmes da brancura que os lírios deixavam nos brejos.

Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore

porque fez amizade com muitas borboletas.



Manoel de Barros

26 fevereiro, 2012

Simone de Beauvoir


"Mulher não se nasce, torna-se". 






A frase, de Simone de Beauvoir, pedra angular de seu livro O Segundo Sexo, escrito em 1949, antecipou em 20 anos o movimento feminista. O feminismo, do qual indiscutivelmente Simone foi a grande precursora, é apenas um dos legados dessa mulher extraordinária - filósofa, escritora, militante política, defensora dos direitos do homem, amante e companheira de Jean Paul Sartre durante cerca de 50 anos, uma vida intensa que apagou-se aos 78 anos, vencida por um edema pulmonar, após uma sucessão de problemas circulatórios que a levaram ao hospital três semanas antes.

Simone Lucie Ernestine Bertrand de Beauvoir nasceu em Paris e foi professora de filosofia na Sorbonne. Estreou na literatura com o romance A Convidada (1943). Era casada com Jean Paul Sartre desde a década de 30, e, por algum tempo viveu à sombra de sua fama. O reconhecimento só viria com a publicação de O Segundo Sexo (1949), que marcaria Beauvoir como o principal nome da literatura francesa do pós-guerra, na defesa dos direitos femininos. A escritora também publicou Os Mandarins (1954), A Força da Idade (1960) e A Velhice (1970). Após a morte do marido, lançou A Cerimônia do Adeus (1981), um relato sobre os últimos anos de Sartre.

Simone de Beauvoir viveu para desmentir o dito de Stendal de que todo gênio nascido mulher está perdido para a humanidade. No caso de Simone ela não apenas transformou-se em mulher, mas por sua vida, seu pensamento e suas lutas, transformou o próprio conceito de ser mulher. 


Do blog
http://www.jblog.com.br









25 fevereiro, 2012

Não!





“Ainda que sendo tarde e em vão, 
perguntarei por que motivo
tudo quando eu quis de mais vivo 
tinha por cima escrito: 
’Não’."


Cecília Mereiles
"A primavera chegará, 
mesmo que ninguém mais saiba seu nome, 
nem acredite no calendário, 
nem possua jardim para recebê-la."



Cecília Meireles

23 fevereiro, 2012

Eu sei

(...) Feche a porta do seu quarto
Porque se toca o telefone
Pode ser alguém
Com quem você quer falar
Por horas e horas e horas...

A noite acabou
Talvez tenhamos
Que fugir sem você
Mas não, não vá agora
Quero honras e promessas
Lembranças e histórias...

Somos pássaro novo
Longe do ninho
Eu sei!




Legião Urbana


É que você parecia minha amiga, só minha amiga. Você fala como uma amiga. Me cumprimenta como amiga. Me telefona e me convida para cinemas como uma amiga. Seu riso é de amiga. O seu abraço é de amiga. Mas eu devia ter desconfiado, seus cabelos sempre tiveram cheiro de namorada. Existe algo errado numa amizade quando o resto do mundo parece chato e nós os únicos legais.



Gabito Nunes

22 fevereiro, 2012

A dor acompanha





─ Olho pra essa cozinha e vejo o rosto dela, não dá pra aguentar.
─ Dá, sim. As coisas vão melhorar.
─ Talvez eu devesse me mudar daqui, sei lá.
─ Faça o que acha que precisa fazer, mas a dor sabe seguir a gente direitinho.



Christopher Moore
Um Trabalho Sujo

Gostaria de saber...

"— E você, por que desvia o olhar?

(Porque eu tenho medo de altura. Tenho medo de cair para dentro de você. Há nos seus olhos castanhos certos desenhos que me lembram montanhas, cordilheiras vistas do alto, em miniatura. Então, eu desvio os meus olhos para amarra-los em qualquer pedra no chão e me salvar do amor. Mas, hoje, não encontraram pedra. Encontraram flor. E eu me agarrei às pétalas o mais que pude, sem sequer perceber que estava plantada num desses abismos, dentro dos seus olhos.)

— Ah. Porque eu sou tímida."




Rita Apoena



Alguns escrevem pela arte, pela linguagem, pela literatura. Esses, sim, são os bons. Eu só escrevo para fazer afagos. E porque eu tinha de encontrar um jeito de alongar os braços. E estreitar distâncias. E encontrar os pássaros: há muitas distâncias em mim (e uma enorme timidez). Uns escrevem grandes obras. Eu só escrevo bilhetes para escondê-los, com todo cuidado, embaixo das portas.


Rita Apoena

Sugestão para presente


Amor. Bolinhas de sabão. O som de copos com água. O som das gotas no chão. Um sorriso tímido. A música por trás dos ruídos. Um coração encostado no outro. Um ou dois para sempres. Um avião nas mãos de um menino. Um barquinho de papel. Uma pipa atravessando as nuvens. Uma sementeira de tulipas. Um mingauzinho de aveia. Um par de meias listradas. Dois ou três cata-ventos. Uma palavra inventada. 





Rita Apoena

Sobre a Poesia


Menina lendo, 2008

Inha Bastos ( Brasil, 1949)





ALGUNS -
quer dizer que nem todos.
Nem sequer a maior parte mas sim uma minoria.
Não contando as escolas onde se tem que,
e quanto a poetas,
dessas pessoas, em mil, haverá duas.

GOSTAM -
mas também gosta-se de sopa de espaguete,
dos galanteios e da cor azul,
do velho cachecol,
brindar a nossa gente,
fazer festas ao cão.

DE POESIA -
mas que é isso a poesia?
muitas e vacilantes respostas
já foram dadas à questão.
Por mim não sei e insisto que não sei
e essa insistência é corrimão que me salva.



Wislawa Szymborsa
Traduzido por Júlio Sousa Gomes

18 fevereiro, 2012

Professor



A tabuada não basta. Como não bastam funções hiperbólicas, variáveis complexas, orações subordinadas. Não bastam Euclides e sua geometria, não bastam as teorias. O professor deve ensinar ao aluno a arte de viver com dignidade, com amor, com liberdade. 


Não basta falar das guerras, das batalhas, das conquistas — tem que ensinar o aluno a conquistar-se primeiro a si próprio. Ensinar-lhe medir distâncias é pouco — necessário vencê-las. Não basta saber o nome dos rios, temos que fluir. Equações algébricas não resolvem tudo, antes é preciso resolver-se. Em vez das mentiras históricas, o professor deve ensinar as verdades, e o melhor modo de encontrá-las. 

Não basta falar de política, o professor tem que ser democrata. Deve olhar nos olhos do aluno e dizer-lhe como a vida é. Aumentar-lhe a coragem de crescer. Ensinar-lhe a lógica das emoções e o amor pelo raciocínio. 

O professor transmite sabedoria, incentiva o bom senso e o bom gosto. Mergulha fundo no oceano de dúvidas que o aluno tem no coração, e traz o tesouro pulsante lá submerso. Educa, orienta, aviva a chama na consciência de cada. Ao polir a pedra bruta consegue intenso brilhante. 

Bom professor é aquele que não exige, não cobra — obtém. Não corrige — mostra o porquê. Não hesita quando avalia, não constrange quando examina. E nunca faz da nota uma espada.

O bom professor não só ensina, compreende. Não levanta a voz, amplifica o verbo, convence. É sério — mas ri da própria seriedade. Fala do êxtase, da alegria e da profunda emoção que explode no seu peito quando ensina, como pétalas no riso de quem ama. 

O professor mostra ao aluno a diferença entre o silogismo e a serpente. Ensina-o a extrair raiz quadrada com poesia. Demonstra como ser ousado sem ser burro. Jamais abusa da confiança do aluno, não lhe invade o espaço, não procura condicioná-lo. Não cria relações de dependência, nem exerce dominação sádica sobre ele. Infunde-lhe o respeito absoluto pela vida. Prefere o aluno criativo ao bem-comportado. Nunca o explora, é só o conquistador de um novo mundo, que leva o aluno a ver mais — mais alto e mais longe. 

Não levanta paredes em torno do aluno, e sim derruba aquelas que houver. Abre-lhe as portas da vida, com veemência. Não o repreende, não o censura, não o recrimina. Mostra ao aluno a importância da inteligência na determinação do seu futuro. O velho dilema entre a caneta e a vassoura... 

Como Sócrates, o bom professor não vê glórias no que sabe, não esconde o que conhece, nem oculta o que possa não saber. Brinca, tem confiança em si, e não faz da escola uma cela.

Moderno, convence o aluno a saltar os muros da tradição, porque a aventura está sempre do outro lado. Lógico, respeita aquele que aprendeu a questionar. Não o sufoca com preconceitos nem com juízos de valor. Nem lhe causa medo algum. Transmite confiança, pega na mão, aplaude, incentiva, suporta, conduz, ampara na travessia. 

Não é hipócrita, faz o que diz e diz o que pensa. É um farol que não vela o que descobre. Mostra um caminho. E não apenas mostra — demonstra, comprova, define. 

Aranha em teia de luz, o professor não prende — liberta. Carrega o giz como fosse uma flor, com amor. E quando faz a linha tem firmeza, mas não separa. Ora Dali, ora Picasso, vai colocando a tinta, pondo seu traço, amando seu gesto, compondo a canção. Enaltece o risco do sonho, o círculo do fogo, a pureza da alma, o princípio da vida, o anel da esperança. 

Considera o aluno obra de arte quase inacabada. Ama-o como se fosse um anjo. E nunca vai matar-lhe no peito a vontade de ser livre. 

O professor é o amigo sincero que ajuda o aluno a superar os limites da vida, desbravando com determinação e ousadia essa fantástica região chamada Experiência. 

Enfim — o professor é o Mestre.



Autor: Edson Marques

16 fevereiro, 2012

O Salto





“Se tivermos cuidado e sorte – sobretudo, talvez, sorte – quem sabe, dê certo? Não é fácil. Tampouco impossível. E se existe essa centelha quase palpável, essa esperança intensa que chamamos de amor, então não há nada mais sensato a fazer do que soltarmos as mãos dos trapézios, perdermos a frágil segurança de nossas solidões e nos enlaçarmos em pleno ar. Talvez nos esborrachemos. Talvez saiamos voando. Não temos como saber se vai dar certo – o verdadeiro encontro só se dá ao tirarmos os pés do chão –, mas a vida não tem nenhum sentido se não for para dar o salto”.




Antônio Prata

14 fevereiro, 2012

Nexo





O tempo, de vento em vento, desmanchou o penteado arrumadinho de várias certezas que eu tinha, e algumas vezes descabelou completamente a minha alma. Mesmo que isso tenha me assustado muito aqui e ali, no somatório de tudo, foi graça, alívio e abertura. A gente não precisa de certezas estáticas. A gente precisa é aprender a manha de saber se reinventar. De se tornar manhã novíssima depois de cada longa noite escura. De duvidar até acreditar com o coração isento das crenças alheias. A gente precisa é saber criar espaço, não importa o tamanho dos apertos. A gente precisa é de um olhar fresco, que não envelhece, apesar de tudo o que já viu. É de um amor que não enruga, apesar das memórias todas na pele da alma. A gente precisa é deixar de ser sobrevivente para, finalmente, viver. A gente precisa mesmo é aprender a ser feliz a partir do único lugar onde a felicidade pode começar, florir, esparramar seus ramos, compartilhar seus frutos.


Ana Jácomo

Sensibilidade





Ser sensível nesse mundo requer muita coragem. Muita. Todo dia. Esse jeito de ouvir além dos olhos, de ver além dos ouvidos, de sentir a textura do sentimento alheio tão clara no próprio coração e tantas vezes até doer ou sorrir junto com toda sinceridade. Essa sensação, de vez em quando, de ser estrangeiro e não saber falar o idioma local, de ser meio ET, uma espécie de sobrevivente de uma civilização extinta. Essa intensidade toda em tempo de ternura minguada. Esse amor tão vívido em terra em que a maioria parece se assustar mais com o afeto do que com a indelicadeza. Esse cuidado espontâneo com os outros. Essa vontade tão pura de que ninguém sofra por nada. Esse melindre de ferir por saber, com nitidez, como dói se sentir ferido.

Ser sensível nesse mundo requer muita coragem. Muita. Todo dia. Essa saudade, que às vezes faz a alma marejar, de um lugar que não se sabe onde é, mas que existe, é claro que existe. Essa possibilidade de se experimentar a dor, quando a dor chega, com a mesma verdade com que se experimenta a alegria. Essa incapacidade de não se admirar com o encanto grandioso que também mora na sutileza. Essa vontade de espalhar buquês de sorrisos por aí, porque os sensíveis, por mais que chorem de vez em quando, não deixam adormecer a ideia de um mundo que possa acordar sorrindo. Pra toda gente. Pra todo ser. Pra toda vida. 

Eu até já tentei ser diferente, por medo de doer, mas não tem jeito:   
só consigo ser igual a mim. 



Ana Jácomo

Amarelinha

Fotografia Cleiton Tiburcio


Li outro dia que amar é igual brincar de Amarelinha. Entre o Céu e o Inferno existem apenas alguns passos. Acho que é verdade. Quando o assunto é vida a dois, tudo depende se você vai acertar – ou não – a casa certa. Diariamente. É um trabalhinho lindo e complicado. Dividir a casa, comida e a roupa lavada. Dividir amor, décimo terceiro, sonhos, garagem e banheiro. Dividir as gavetas daquele closet pequeno demais. Dividir os medos. Dividir os silêncios. As realidades. Guardar pequenos segredos. Pensamentos. E tristezas mal-resolvidas. Ninguém é feliz o tempo inteiro. Mesmo porque conviver é difícil e dividir contas e ansiedades não tem nada de poesia. Mas tudo na vida é escolha. E aprendizado. Cada um escreve à sua maneira e tem alguém por aí que pode ser capítulo. Ou introdução. Depende do espaço que você dá. E de como alguém vai escrever história em você. 



Por isso resolvi: quero um armário grande no meu apartamento. Para dividir espaços (e novas linhas)...



Fernanda Mello

Ser feliz por nada




“Benditos os que conseguem se deixar em paz. Os que não se cobram por não terem cumprido suas resoluções, que não se culpam por terem falhado, não se torturam por terem sido contraditórios, não se punem por não terem sido perfeitos. Apenas fazem o melhor que podem. Se é para ser mestre em alguma coisa, então que sejamos mestres em nos libertar da patrulha do pensamento. De querer se adequar à sociedade e ao mesmo tempo ser livre. Adequação e liberdade simultaneamente? É uma senhora ambição. Demanda a energia de uma usina. Para que se consumir tanto? A vida não é um questionário de Proust. Você não precisa ter que responder ao mundo quais são suas qualidades, sua cor preferida, seu prato favorito, que bicho seria. Que mania de se autoconhecer. Chega de se autoconhecer. Você é o que é, um imperfeito bem-intencionado e que muda de opinião sem a menor culpa. Ser feliz por nada talvez seja isso. "


Martha Medeiros, no livro “Ser feliz por nada”

05 fevereiro, 2012





Sei que, às vezes, uso palavras repetidas,

mas quais são as palavras que nunca são ditas?



Legião Urbana

Vai ter amor, vai ter fé, vai ter paz...



”Tem uma felicidade mansa por dentro, devagarinho. A casa bonita. Os dias bonitos. A roseira bonita. E pessoas novas (tem coisa melhor que gente?). E trabalhos novos (breve a cores). Guardo o meu amor por dentro. É precioso. Pensar nele faz com que eu tenha vontade de cuidar de mim mesmo – então é bom. Guardando, guardando, feito joia. Precioso, delicado. (…) As coisas vão dar certo. Vai ter amor, vai ter fé, vai ter paz – se não tiver, a gente inventa.”


Caio Fernando Abreu.

Namore uma garota que lê

Mulher com chapéu lendo, 2007
Salvador Perez Bassols (Espanha 1948)
óleo sobre tela


“Namore uma garota que gasta seu dinheiro em livros, em vez de roupas. Ela também tem problemas com o espaço do armário, mas é só porque tem livros demais. Namore uma garota que tem uma lista de livros que quer ler e que possui seu cartão de biblioteca desde os doze anos.

Encontre uma garota que lê. Você sabe que ela lê porque ela sempre vai ter um livro não lido na bolsa. Ela é aquela que olha amorosamente para as prateleiras da livraria, a única que surta (ainda que em silêncio) quando encontra o livro que quer. Você está vendo uma garota estranha cheirar as páginas de um livro antigo em um sebo? Essa é a leitora. Nunca resiste a cheirar as páginas, especialmente quando ficaram amarelas.

Ela é a garota que lê enquanto espera em um Café na rua. Se você espiar sua xícara, verá que a espuma do leite ainda flutua por sobre a bebida, porque ela está absorta. Perdida em um mundo criado pelo autor. Sente-se. Se quiser ela pode vê-lo de relance, porque a maior parte das garotas que leem não gostam de ser interrompidas. Pergunte se ela está gostando do livro.

Compre para ela outra xícara de café.
Diga o que realmente pensa sobre o Murakami. Descubra se ela foi além do primeiro capítulo da Irmandade. Entenda que, se ela diz que compreendeu o Ulisses de James Joyce, é só para parecer inteligente. Pergunte se ela gostaria ou gostaria de ser a Alice.

É fácil namorar uma garota que lê. Ofereça livros no aniversário dela, no Natal e em comemorações de namoro. Ofereça o dom das palavras na poesia, na música. Ofereça Neruda, Sexton Pound, cummings. Deixe que ela saiba que você entende que as palavras são amor. Entenda que ela sabe a diferença entre os livros e a realidade mas, juro por Deus, ela vai tentar fazer com que a vida se pareça um pouco como seu livro favorito. E se ela conseguir não será por sua causa.

É que ela tem que arriscar, de alguma forma.
Minta. Se ela compreender sintaxe, vai perceber a sua necessidade de mentir. Por trás das palavras existem outras coisas: motivação, valor, nuance, diálogo. E isto nunca será o fim do mundo.

Trate de desiludi-la. Porque uma garota que lê sabe que o fracasso leva sempre ao clímax. Essas garotas sabem que todas as coisas chegam ao fim. E que sempre se pode escrever uma continuação. E que você pode começar outra vez e de novo, e continuar a ser o herói. E que na vida é preciso haver um vilão ou dois.

Por que ter medo de tudo o que você não é? As garotas que leem sabem que as pessoas, tal como as personagens, evoluem. Exceto as da série Crepúsculo.

Se você encontrar uma garota que leia, é melhor mantê-la por perto. Quando encontrá-la acordada às duas da manhã, chorando e apertando um livro contra o peito, prepare uma xícara de chá e abrace-a. Você pode perdê-la por um par de horas, mas ela sempre vai voltar para você. E falará como se as personagens do livro fossem reais – até porque, durante algum tempo, são mesmo.

Você tem de se declarar a ela em um balão de ar quente. Ou durante um show de rock. Ou, casualmente, na próxima vez que ela estiver doente. Ou pelo Skype.

Você vai sorrir tanto que acabará por se perguntar por que é que o seu coração ainda não explodiu e espalhou sangue por todo o peito. Vocês escreverão a história das suas vidas, terão crianças com nomes estranhos e gostos mais estranhos ainda. Ela vai apresentar os seus filhos ao Gato do Chapéu [Cat in the Hat] e a Aslam, talvez no mesmo dia. Vão atravessar juntos os invernos de suas velhices, e ela recitará Keats, num sussurro, enquanto você sacode a neve das botas.

Namore uma garota que lê porque você merece. Merece uma garota que pode te dar a vida mais colorida que você puder imaginar. Se você só puder oferecer-lhe monotonia, horas requentadas e propostas meia-boca, então estará melhor sozinho. Mas se quiser o mundo, e outros mundos além, namore uma garota que lê.

Ou, melhor ainda, namore uma garota que escreve.”


Texto original: Date a girl who reads – Rosemary Urquico

Amadurecimento




Aprenda a gostar de você, a cuidar de você e, principalmente, a gostar de quem também gosta de você.

A idade vai chegando e, com o passar do tempo, nossas prioridades na vida vão mudando - a vida profissional, a monografia de final de curso, as contas a pagar. Mas uma coisa parece estar sempre presente - a busca pela felicidade com o amor da sua vida.

Desde pequenas ficamos nos perguntando "quando será que vai chegar?" E a cada nova paquera, vez ou outra nos pegamos na dúvida "será que é ele?". Como diz o meu pai: "nessa idade tudo é definitivo", pelo menos a gente achava que era. Cada namorado era o novo homem da sua vida. Faziam planos, escolhiam o nome dos filhos, o lugar da lua-de-mel e, de repente... PLAFT! Como num passe de mágica ele desaparecia, fazendo criar mais expectativa a respeito "do próximo".

Você percebe que cair na guerra quando se termina um namoro é muito natural, mas que já não dura mais de três meses. Agora, você procura melhor e começa a ser mais seletiva. Procura um cara formado, trabalhador, bem resolvido, inteligente, com aquele papo que a deixa sentada no bar o resto da noite.

Você procura por alguém que cuide de você quando está doente, que não reclame em trocar aquele churrasco dos amigos pelo aniversário da sua avó, que jogue "imagem e ação" e se divirta como uma criança, que sorria de felicidade quando te olha, mesmo quando está de short, camiseta e chinelo.

A liberdade, ficar sem compromisso, sair sem dar satisfação já não tem o mesmo valor que tinha antes. A gente inventa um monte de desculpas esfarrapadas mas continuamos com a procura incessante por uma pessoa legal, que nos complete e vice-versa.

Enquanto tivermos maquiagem e perfume, vamos à luta. E haja dinheiro para manter a presença em todos os eventos da cidade: churrasco, festinhas, boates na quinta-feira. Sem falar na diversidade que vai do Forró ao Beatles. Mas o melhor dessa parte é se divertir com as amigas, rir até doer a barriga, fazer aqueles passinhos bregas de antigamente e curtir o som. Olhar para o teto, cantar bem alto aquela música que você adora.

Com o tempo, você vai percebendo que para ser feliz com uma outra pessoa, você precisa, em primeiro lugar, não precisar dela. Percebe também que aquele cara que você ama (ou acha que ama), e que não quer nada com você, definitivamente não é o homem da sua vida.

Você aprende a gostar de você, a cuidar de você e, principalmente, a gostar de quem também gosta de você. O segredo é não correr atrás das borboletas - é cuidar do jardim para que elas venham até você.

No final das contas, você vai achar não quem você estava procurando, mas quem estava procurando por você!



Mario Quintana

PESSOA, por ele mesmo


Aquilo que, creio, produz em mim o sentimento profundo, em que vivo, de incongruência com os outros, e que a maioria pensa com a sensibilidade e eu sinto com o pensamento.

Para o homem vulgar, sentir é viver e pensar é saber viver. Para mim, pensar é viver e sentir não é mais que o alimento de pensar.

É curioso que, sendo escassa a minha capacidade de entusiasmo, ela é naturalmente mais solicitada pelos que se me opõem em temperamento do que pelos que são da minha espécie espiritual. A ninguém admiro, na literatura, mais que aos clássicos, que são a quem menos me assemelho. A ter que escolher, para leitura única, entre Chateaubriand e Vieira, escolheria Vieira sem necessidade de meditar.

Quanto mais diferente de mim alguém é, mais real me parece, porque menos depende da minha subjectividade. E é por isso que o meu estudo atento e constante é essa mesma humanidade vulgar que repugno e de quem disto. Amo-a porque a odeio. Gosto de vê-la porque detesto senti-la. A paisagem, tão admirável como quadro, é em geral incómoda como leito.


13-4-1930


Livro do Desassossego por Bernardo Soares.Vol.I. Fernando Pessoa.

Aos Casados




Aos casados há muito tempo 
aos que não casaram, 
aos que vão casar, 
aos que acabaram de casar, 
aos que pensam em se separar, 
...aos que acabaram de se separar, 
aos que pensam em voltar... 

Por mais que o poder e o dinheiro tenham conquistado 
uma ótima posição no ranking das virtudes, 
o amor ainda lidera com folga. 
Tudo o que todos querem é amar. 
Encontrar alguém que faça bater forte o coração 
e justifique loucuras. 
Que nos faça entrar em transe, cair de quatro, 
babar na gravata. 
Que nos faça revirar os olhos, rir à toa, 
cantarolar dentro de um ônibus lotado. 
Tem algum médico aí??? 
Depois que acaba esta paixão retumbante, 
sobra o que? 

O amor. 
Mas não o amor mistificado, 
que muitos julgam ter o poder de fazer levitar. 
O que sobra é o amor que todos conhecemos, 
o sentimento que temos por mãe, pai, irmão, filho. 
É tudo o mesmo amor, só que entre amantes existe sexo. 
Não existem vários tipos de amor, 
assim como não existem três tipos de saudades, 
quatro de ódio, seis espécies de inveja. 
O amor é único, como qualquer sentimento, 
seja ele destinado a familiares, ao cônjuge ou a Deus. 

A diferença é que, como entre marido 
e mulher não há laços de sangue, 
a sedução tem que ser ininterrupta. 
Por não haver nenhuma garantia de durabilidade, 
qualquer alteração no tom de voz nos fragiliza, 
e de cobrança em cobrança acabamos por sepultar
uma relação que poderia ser eterna. 
Casaram. Te amo prá lá, te amo prá cá. 
Lindo, mas insustentável. 
O sucesso de um casamento
exige mais do que declarações românticas. 
Entre duas pessoas que resolvem dividir o mesmo teto, 
tem que haver muito mais do que amor, 
e às vezes nem necessita de um amor tão intenso. 
É preciso que haja, antes de mais nada, respeito.
Agressões zero. Disposição para ouvir argumentos alheios. 
Alguma paciência... Amor, só, não basta. 

Não pode haver competição. Nem comparações.
Tem que ter jogo de cintura para acatar regras 
que não foram previamente combinadas. 
Tem que haver bom humor para enfrentar imprevistos, 
acessos de carência, infantilidades. 
Tem que saber levar. Amar, só, é pouco. 

Tem que haver inteligência. 
Um cérebro programado para enfrentar tensões pré-menstruais,
rejeições, demissões inesperadas, contas pra pagar. 
Tem que ter disciplina para educar filhos, 
dar exemplo, não gritar. Tem que ter um bom psiquiatra. 
Não adianta, apenas, amar. 
Entre casais que se unem visando à longevidade do matrimônio 
tem que haver um pouco de silêncio, amigos de infância, 
vida própria, um tempo pra cada um. 
Tem que haver confiança. 
Uma certa camaradagem, 
às vezes fingir que não viu, fazer de conta que não escutou. 
É preciso entender que união não significa, 
 necessariamente, fusão. 
E que amar, 'solamente', não basta. 

Entre homens e mulheres que acham que o amor é só poesia,
falta discernimento, pé no chão, racionalidade. 
Tem que saber que o amor pode ser bom, pode durar para sempre, 
mas que sozinho não dá conta do recado. 
O amor é grande mas não é dois. 
É preciso convocar uma turma de sentimentos 
para amparar esse amor que carrega o ônus da onipotência. 
O amor até pode nos bastar, mas ele próprio não se basta. 

Um bom amor aos que já têm!
Um bom encontro aos que procuram!
E felicidades a todos nós! 



Artur da Távola

03 fevereiro, 2012

Simplificando...

Posso pedir que enxugue as nossas lágrimas, 
que perpetue o nosso riso 
e não se esqueça nunca 
de aquecer os nossos dias.





Cláudio Gontijo

A cura



" Ainda existe! Sim: A cura. 
O amor é a candura que reaviva as dores obscuras. 
Há mal que amar não reconstrua? "









 Patty Vicensotti 

Quem gostou da Ideia