25 novembro, 2013

Sobre o estado de graça



Alguns estados de graça são frutos da inocência. Não sabermos de algo e estarmos no meio de um fato inusitado, inesperado, uma coincidência, um milagre. Um encontro ao acaso é sempre milagroso, porque se opera por razões alheias à vontade. Concorrer para situações únicas é estar disponível para a surpresa. Falar com alguém sem saber que é justamente a pessoa que está procurando. Encontrar um livro sem saber que lhe trará a informação de que precisa. Os estados de graça acontecem por estarmos fora da realidade imediata, em contato com as respostas que pairam acima de nossa cabeça. Então ouvimos. Então sabemos. Então aprendemos. Então seremos testemunhas únicas de fatos que só aconteceram para nós. Essa unicidade é o todo. É a mágica que faz cada um ser um e ao mesmo tempo todos. 





Thereza Rocque da Motta

24 novembro, 2013

Pelo direito a gentileza


Deixe que eu seja gentil. Deixe que puxe a cadeira, espere um pouco, minhas mãos estão chegando ao espaldar, deixe que abra a porta, me dê tempo, minhas mãos estão pousando na maçaneta. Deixe que eu seja gentil, que eu me antecipe a seus incômodos, que procure facilitar suas palavras, que ajude a expressar sua vontade, que concorde com seu silêncio. Deixe que eu seja gentil, meu amor. Minha gentileza não é ditadura, minha gentileza não é imposição. 
Não desejo mandar em você, e sim mostro que não há meu medo de ser dominado. 
Deixe que eu dê colo, faça cafuné, massagem nos pés, me mantenha acordado até que durma. 
Deixe que eu seja gentil, que tenha a capacidade de adivinhar quando se emocionou ou não, que responda a ataques e indelicadezas. Sei que pode se defender sozinha. Não estou lhe chamando de frágil. 
Deixe que eu seja gentil, que aceite meu casaco nos ombros no fim da noite, que aceite meu elogio no início do dia. 
Deixe que seja gentil, que eu cozinhe seu prato predileto, que arrume a cama, lave a louça e que você não tema a mesura, não pense em conspiração. 
Gentileza não é favor. Gentileza não guarda recibo. 
Não peço nada em troca, não protesto recompensa. A gentileza é de graça. A gentileza não tem caminho de volta. 
Deixe que eu seja gentil, que pague a conta do restaurante, adquira um vestido. Não estou lhe corrompendo, não estou lhe comprando. 
Gentileza não é suborno, gentileza não é chantagem. Não me culpe por ser gentil. Não me entenda errado. Não pretendo controlá-la, logo eu que mal me domino. Deixe que seja gentil, mimar não é estragar, a grosseria é que destrói. 
Deixe que eu seja gentil. Que eu possa tirar seus sapatos e guardá-los nas gavetas. Não é machismo, amor, não é machismo cuidar de você. Sei que se vira sozinha desde a adolescência, que não precisa de ninguém, nem de meus olhos assustado por um sim. 
Mas deixe que eu seja gentil. Que eu possa acompanhá-la até o toalete durante a festa, que possa aguardá-la na saída. Gentileza é se preocupar antes de qualquer problema. 
Deixe que eu seja gentil, deixe que seja sua sombra mais frondosa. Respeitar é jamais esquecer que você está ao meu lado. Sou gentil por saudade antecipada. 
Deixe que eu pegue mais coberta, que feche a janela, que atenda o interfone e telefone. 
Deixe ser sua audição mais apurada: a luz se acende inclusive para os ouvidos. 
Não elimine o que recebi de meus pais. A paciência das pequenas urgências. 
Deixe que eu seja gentil, não ofereço porque pedia, não irei cobrar. 
Gentileza é escolha, gentileza é destino. 
Deixe que eu seja gentil, vou perguntar muitas vezes ao dia como está, não canse de me responder. 
Deixe que eu seja gentil, que eu segure seu guarda-chuva, que eu busque um copo de água de madrugada, que eu dobre suas roupas e lembre qual o momento de acordar. Não apague minha educação. Não estou dizendo que você é inútil, só quero ser gentil. 
Não estou dizendo que depende de mim, amor, que não valorizo sua liberdade. 
Deixe eu ser também você. 


Fabricio Carpinejar, seu lindo!

20 novembro, 2013

Assim...do seu jeitinho

É assim que te quero, amor,
assim, amor, é que eu gosto de ti,
tal como te vestes
e como arranjas
os cabelos e como
a tua boca sorri,
ágil como a água
da fonte sobre as pedras puras,
é assim que te quero, amada,
Ao pão não peço que me ensine,
mas antes que não me falte
em cada dia que passa.
Da luz nada sei, nem donde
vem nem para onde vai,
apenas quero que a luz alumie,
e também não peço à noite explicações,
espero-a e envolve-me,
e assim tu pão e luz
e sombra és.
Chegastes à minha vida
com o que trazias,
feita
de luz e pão e sombra, eu te esperava,
e é assim que preciso de ti,
assim que te amo,
e os que amanhã quiserem ouvir
o que não lhes direi, que o leiam aqui
e retrocedam hoje porque é cedo
para tais argumentos.
Amanhã dar-lhes-emos apenas
uma folha da árvore do nosso amor, uma folha
que há de cair sobre a terra
como se a tivessem produzido os nosso lábios,
como um beijo caído
das nossas alturas invencíveis
para mostrar o fogo e a ternura
de um amor verdadeiro.

Neruda

você veio


Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.





Neruda

Eu vejo você



Alice Ruiz

Tem que ser laço

Acho que é uma dessas verdades que aprendemos 
conforme vamos amadurecendo...
se for diferente disso...não fica bom=((


17 novembro, 2013

As Bênçãos


Escrito por Ruth Albernaaz

Lambedor de palavras




“O poeta é um ente que lambe palavras.”

Manoel de Barros







Compondo meus silêncios com palavras



Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.


Livro Memórias inventadas – As Infâncias de Manoel de Barros, São Paulo: Planeta do Brasil, 2010. p. 47

AS MENTIRINHAS PERVERSAS


Protegemos nossas pequenas mentiras em vez de cuidar do relacionamento.

— O que está pensando?

— Por que fez aquilo?

— O que deseja?

Não respondemos o que vem à cabeça, filtramos o que seria mais importante falar, o que daria mais ibope, o que nos fortaleceria naquela situação.

A vontade de agradar é maior do que a vontade de ser verdadeiro.

Não aceitamos nossas imperfeições, e mascaramos os defeitos com imprecisões. A vergonha de errar nos leva aos grandes erros.

Sem querer, já estamos mentindo. E mentimos porque a verdade não impressiona. A verdade não tem roupa de festa. Ela fica abandonada enquanto exercitamos as mentirinhas. Não nos sentimos culpados, pois ninguém conhece a nossa verdade.

Batemos o pé por bobagens, compramos brigas desnecessárias, geramos discussões à toa.

Usamos a toalha do outro por engano. Pode estar encharcada e sustentamos que não foi a gente. Comemos um doce reservado na geladeira e somos capazes de jamais admitir a autoria e desfazer o mal-entendido. Quebramos um objeto na sala e fingimos que ele sumiu de repente.

Era algo simples de ser assumido, e deixamos passar. Criamos uma avalanche a partir de uma pedra de gelo.

Não confessamos o que aconteceu, e o costume ainda é incriminar quem nos chamou atenção, invertendo o jogo: - Não acredita em mim?

Trocamos a espontaneidade pelo orgulho, a franqueza pela persuasão. Subestimamos quem nos escuta ou não nos julgamos dignos do que pensamos. Planejamos o nosso depoimento para soar natural. Premeditamos nossa conduta para receber somente elogios. Ao evitar os castigos e reprimendas, evitamos também a autenticidade.

Uma mentirinha é logo esquecida em nome de uma nova e não acompanhamos os juros.

A mentira é um modo de não ser julgado. Mas estamos nos condenando secretamente a nos afastar do que nos incomoda.

Nem é mentir no início de um relacionamento, o que é perdoável, é exagerar um pouco por dia. Sobre o emprego. Sobre o sexo. Sobre o amor. É falsificar nossa pobreza. Colocar uma manta para cobrir o sofá rasgado.

A partir de uma resposta mais agradável, desviamos o caminho, distorcemos algumas frases e somos obrigados a inventar todo um passado.

Prefiro estar acompanhado numa estrada real, ainda que penosa, do que viver sozinho em minha imaginação.



Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 17/11/2013 Edição N° 17617

A natureza e sua sabedoria...



João de Barro, eu te entendo agora

Por favor, me ensine como guardar meu amor






16 novembro, 2013

Vamos praticar?










Uma pessoa faz uma gentileza pra você: manda um pão feito em casa pra você provar, ou empresta um livro raríssimo, ou indica um médico sensacional. Tempos atrás, você tinha duas maneiras de agradecer: telefonava ou enviava um telegrama, cartão, carta. Telefonar significa ter que dedicar um tempo pra conversa, e ainda arriscar invadir a privacidade de alguém numa hora imprópria. E telegrama? Pra alguns, é uma mão de obra ligar para os Correios, descobrir o endereço do destinatário, etc. Hoje existe um método muito mais fácil, rápido e indolor de ser cordial: o e-mail. 

Quem tem acesso à Internet em casa ou no trabalho não tem desculpa para ser grosso. Nunca foi tão fácil cumprimentar por um aniversário, desejar que alguém se saia bem numa prova, agradecer um jantar, justificar uma ausência, elogiar uma promoção, desculpar-se por uma gafe. Em duas frases, o carinho está feito, sem perda de tempo e sem constrangimentos. Só é mal educado quem quer.

Conheço pessoas cuja timidez acaba parecendo falta de educação. A pessoa se atrapalha, não sabe o que fazer com as mãos nem que palavras usar, e acaba deixando passar a oportunidade de dizer "obrigado" ou "desculpe". O e-mail resolve isso. É o aliado número 1 dos tímidos, dos gagos, dos que ficam vermelhos por qualquer coisa, dos que não têm presença de espírito, dos bichos-do mato: pare, pense, escreva e envie. Pronto, você não é mais tímido nem gago nem nervosão: é um sujeito adorável. 

Pequenas gentilezas, na verdade, não são pequenas coisa nenhuma: serão sempre imensas. A gente fica esperando grandes ações pacifistas dos líderes mundiais e acaba não exercitando esse pacifismo no dia-a-dia, nas relações humanas. Algumas pessoas consideram a gentileza uma forma de submissão, de fraqueza, e acabam elegendo a arrogância e o desprezo como atitude. Pra estes, não existe solução, serão babacas eternos. Mas para quem anda esquecendo de exercer a gentileza apenas por falta de estímulo, está aí uma dica banal e eficientíssima: use o computador que está na sua frente. Gentileza não é puxa-saquismo. É um hábito elegante, dietético e despoluente: sério, perde-se peso existencial e até o ar que a gente respira fica mais leve. 



Martha Medeiros

Da Entrega...

Amo!


Apoderar-se de si
Recombinando atos
Não sou quem estou aqui
Sou um instante passo

Cada um, cada qual
Resgatar o júbilo
Existir, ser plural
Repartir o acúmulo

Apoderar-se de si
Remediando passos

Convergir no olhar
Nosso brio e fúria
Conceber, conservar
Aguerrida entrega

Nesse nosso desbravar
Emanemo-nos amor
Até quando suceder
De silenciar
O que nos trouxe até aqui

Nada melhor virá
Nada melhor virá

Eu sei...


Minhas pretensões...


"A dúvida é o preço da pureza e é inútil ter certeza...''



Você me faz correr demais os riscos desta highway
Você me faz correr atrás do horizonte desta highway
Ninguém por perto, silêncio no deserto, deserta highway
Estamos sós e nenhum de nós sabe exatamente onde vai parar

Mas não precisamos saber pra onde vamos, nós só precisamos ir
Não queremos ter o que não temos, nós só queremos viver
Sem motivos nem objetivos nós estamos vivos e é tudo
É, sobretudo, a lei dessa infinita highway.
Infinita highway.

Escute garota, o vento canta uma canção
Dessas que uma banda nunca toca sem razão
Então me digam garotas? será a estrada uma prisão?
Eu acho que sim, você finge que não
Mas nem por isto ficaremos parados
Com a cabeça nas nuvens e os pés no chão
Então tudo bem, garota, não adianta mesmo ser livre
Se tanta gente vive sem ter como comer

Estamos sós e nenhum de nós sabe onde vai parar
Estamos vivos sem motivos
Que motivos temos para estar atrás de palavras
Escondidas nas entrelinhas do horizonte desta highway?
Silenciosa highway
Infinita Highway

Eu vejo o horizonte trêmulo
Eu tenho os olhos úmidos
Eu posso estar completamente enganado
Eu posso estar correndo pro lado errado
Mas "a dúvida é o preço da pureza" e é inútil ter certeza
Eu vejo as placas dizendo não corra, não morra, não fume
Eu vejo as placas cortando o horizonte
Elas parecem facas de dois gumes

E a minha vida é tão confusa quanto a América central
Por isso não me acuse de ser irracional
Escute, garota, façamos um trato:
Você desliga o telefone se eu ficar um pé no saco

110, 120, 160 Só pra ver até quando o motor agüenta
Na boca em vez de um beijo, um chiclete de menta
E a sombra de um sorriso que eu deixei
Numa das curvas da highway
Silenciosa highway
Infinita highway




Engenheiros

15 novembro, 2013

O Inacessível das palavras








"Chegaste, e desde logo foi verão.
Teresa ainda não sabe se é um bom livro. Jamais saberá. Jamais terá critérios para avaliar aquilo que ela mesma escreve, Mas tampouco se deixará oscilar demais com o que os outros dirão. Isso porque suas próprias palavras ficam, para ela, num lugar um tanto quanto inacessível. Teresa dificilmente será uma boa leitora de Teresa."



Adriana Lisboa in: Um beijo de colombina

Blog Vem cá Luisa

O preço


ACONTECE....apesar de nós.


Eu estou te segurando....



Andar de mãos dadas é dizer silenciosamente “eu estou te segurando, pode vir sem medo”. É repetir nas madrugadas enquanto voltamos para a casa depois da festa, que estamos inteiros e juntos, e sentir que isso é o bastante para dormir em paz. Já o amor que solta as mãos muito depressa é do tipo frágil que o próximo vento que dobrar a esquina levará embora sem deixar rastro. Se o amor soltar a tua mão ao atravessar uma rua, despeça-se antes que ele o faça e a dor seja tão grande que renderá lágrimas e anos inteiros sem primaveras. Quem solta das mãos por qualquer bobagem, não está mais junto faz tempo.
Mãos dadas são corações em sintonia e pensamentos que se constroem juntos naturalmente. É impossível segurar tão firme as mãos de alguém se não houver um sentimento forte envolvido, e segurar a mão do outro carrega uma responsabilidade tão grande quanto uma promessa. Se você for, eu vou. Se você fica, eu fico. E não soltaremos as mãos porque estamos juntos. As mãos dadas funcionam como uma aliança entre duas pessoas que se importam e que escolheram – independente da estrada – seguir a mesma direção.
Quando as mãos se soltam ou apenas alguns dedos se tocam tão somente por costume, é porque não há mais companheirismo ou harmonia. O amor deixou de querer estar ali, presente e inteiro. Mãos que se soltam por conta de um simples poste na calçada, não suportariam juntas nada além de um pouco que concreto. E do que vale um amor que não teria forças nas mãos para impedir a dor ou para empurrar o medo para longe?
Caminhar de mãos dadas é dizer sem palavras que aceitamos ocupar o mesmo espaço e que saltaremos juntos os mesmos obstáculos. Mãos dadas burlam a covardia. É como se um acreditasse na coragem que o outro possui e se sentisse seguro a partir dali. Dar as mãos é provocar a imaginação do outro e mantê-la por perto, é pousar os pensamentos e interromper distrações. Só andam de mãos dadas aqueles que realmente querem caminhar ao lado, jamais um à frente ou atrás. Andar de mãos dadas depois de uma briga é confessar que somos fortes o bastante para não deixar que a primeira onda nos derrube, que o primeiro vendaval nos leve, que a primeira insônia destrua todas as boas noites de sono seguro e tranquilo. Segurar as mãos do outro é dar amparo constante, e contar lentamente como é bom que o outro esteja ali, simplesmente existindo.
Dar as mãos é entregar ao outro a certeza de que nada no mundo será tão pesado que não possa ser carregado por duas pessoas que se querem bem. É algo sério, intenso e respeitoso, é como um abraço que acontece com uma parte só do corpo, que deixa a sua vida à disposição do outro ali, ao alcance da palma da mão. Quando o amor é verdadeiro e quando o sentimento é puro andamos de mãos dadas, mesmo em silêncio. Como se todas as palavras de amor viessem junto desse simples gesto, destruindo todo o lado mais gelado do Universo.

Escrito por | Camila Heloíse

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