31 maio, 2011

O meu tempo



Não existe hora certa, existe o meu relógio,
lembrando sempre com seu tic-tac
que há a vida
para ser vivida,
que houve a vida
que não se viveu.
Não importa que o rádio renitente ruja
são tal hora e tal minuto,
hora oficial.
Afinal.
que há de oficial em minha vida?
Somente,
quebrando a paz exata deste espaço,
levando a mim a frente, sem retorno,
a tiquetaquear meu ser-serei,
existe o meu relógio, —
pulso falso,
sensato solilóquio, lento, certo,
que canta
o canto
do tempo
que é meu.

Ildásio Tavares


Foi como subir as escadas e encontrar um livro aleatório. Daqueles que mudam tudo. Tem algo em você. Indefinível. Mistura de urgência e encontro. Num deslize te perco, num enfrentamento te ganho. E nesse jogo infinito, olhos fechados; a abertura dos caminhos. Não me importam os medos. Não sei dançar, não sei amar, nem fazer uma porção dessas coisas bobas importantes. Com significado. Me perco de mim, mil tropeços. Vem me buscar. Toca o meu cabelo, me protege da chuva, me puxa pra perto. Teimo em resistir. Não deixa. Transforma meu desinteresse em querer. Sequer estava em busca, culpa toda tua. E quem decide que quer e vai lá e pega, dá um jeito, entra na vida, penetra na alma, merece aplausos. Se eu gostar de você, pode apostar. O cachorro não vai mais aguentar ouvir o seu nome. E você será o último a saber. Se é que vai.



Paula Pfeifer



“Ma belle, viver bem não é para amadores. Puxe para si a responsabilidade de encerrar de vez essa inimizade estéril, esse desgaste emocional tão nocivo à pele e ao humor. Você não é uma menina, é uma mulher. E uma mulher deve saber discernir o que é, de fato, uma derrota e uma vitória. Derrota é quando a gente ganha dos outros, mas desiste de si mesma.”



Martha Medeiros

30 maio, 2011

Chove demais


chove demais no que eu escrevo. não há espaço para céu limpo. a cidade é sempre cinza. os muros sempre sujos. o vento sempre leva alguma coisa. os cabelos. um papel. a barra de um vestido. as folhas da calçada. há dores demais no que eu escrevo. não existem amores perfeitos. as fotos estão sempre rasgadas. as frases no avesso. na cama, sempre sobra um maldito travesseiro. no som, apenas os discos úmidos. que rodam. e rodam. ecoando pelo apartamento suas letras tristes. rimas imperfeitas. há exagero demais no que escrevo. tempestades em copos pequenos. gritos. berros. palavrões. os arranhões são sempre rasgos. enormes. de ponta a ponta. abrindo o corpo pra que me enxerguem por dentro. roubem o que tenho escondido. me dissequem. há mentiras demais. medos demais. talvez seja preciso usar outra vida naquilo que escrevo. não a minha. por aqui, chove demais.

Eduardo Baszczyn
"Aparentemente, cada livro tinha seu lugar. Mas, nos lugares onde na casa das outras pessoas havia papel de parede, quadros ou simplesmente um pedaço de parede nua, na casa de Elinor havia estantes abarrotadas de livros”.





Cornelia Funke in 
Coração de Tinta 

O que me faz FELIZ (?)


Deus. 
O sorriso dos meus filhos. O carinho do meu amor. 
Família reunida. Amigos. Café. 
Poesia. Música. Conversa fiada.
Papo Cabeça. Cinema com Pipoca.
Aprender. Natureza. Liberdade. 
Pulmão enchendo-se de ar. Suspiros.
 Fim De Semana. Caminhar. 
Flores. Pássaros.Gargalhadas.
Saúde. Manhã com sol. Cheiro de mar. Cheiro de terra molhada.
Fim de Tarde. Tempo.
 Companhia. Cuidar. Chuva de mansinho. Gentileza.
Edredom. Livro. Descanso. Paz. 
 Olhar. Beijo. Inspirar.
 Passeio. Brigadeiro. Comida Japonesa. Viajar. 
Sonhos. Realizações. Cachoeira. Rio. Mar.
Adrenalina. Mergulho. Brincar. Dormir.
Acordar. Planejar. Viver.  
Abraço. Consideração. Retribuição. Troca.
Sensações. Lembranças boas.
 Conquista. Bom Humor.
Amar. Se Amar. Sentir.


O que te faz feliz (?)

23 maio, 2011

22 maio, 2011

Quando menos se merece

Procure me amar quando eu menos merecer,
porque é quando eu mais preciso.



Falamos e ouvimos à beça sobre o amor desde pequenininhos, já sabedores ou não do que se trata ou minimamente da vizinhança disso. E, apesar das nossas singularidades, costumamos ter pelo menos um desejo comum: queremos amar e ser amados. Amados, de preferência, com o requinte terno da incondicionalidade. Na celebração das nossas conquistas e na constatação dos insucessos. No apogeu do nosso vigor e no tempo do nosso encolhimento. Na vez da nossa alegria e no alvorecer da nossa dor. Na prática das nossas virtudes e no embaraço das nossas falhas. Mas não é preciso viver muito para percebermos que não é assim que o amor, na prática, costuma acontecer.


Temos facilidade para amar o outro nos seus tempos de harmonia. Quando realiza. Quando progride. Quando sua vida está organizada e seu coração está contente. Quando não há inabilidade alguma na nossa relação. Quando ele não nos desconcerta. Quando não denuncia a nossa própria limitação. A nossa própria confusão. A nossa própria dor. Fácil amar o outro aparentemente pronto. Aparentemente inteiro. Aparentemente estável. Que quando sofre, para não incomodar, por costume ou vaidade, não faz ruído algum.


Fácil amar aqueles que parecem ter criado, ao longo da vida, um tipo de máscara que lhes permite ter a mesma cara quando o time ganha e quando o cachorro morre. Fácil amar quem não demonstra experimentar aqueles sentimentos que parecem politicamente incorretos nos outros e absolutamente justificáveis em nós. Fácil amar quando somos ouvidos mais do que nos permitimos ouvir. Fácil amar aqueles que vivem noites terríveis, mas na manhã seguinte se apresentam sem olheiras, a maquiagem perfeita, a barba atualizada.


É fácil amar o outro na mesa de bar, quando o papo é leve, o riso é farto, e o chope é gelado. Nos cafés, após o cinema, quando se pode filosofar sobre o enredo e as personagens com fluência, um bom cappucino e pão de queijo quentinho. Nos corredores dos shoppings, quando se divide os novos sonhos de consumo, imediato ou futuro. É fácil amar o outro nas férias de verão, no churrasco de domingo, nos encontros erotizados, nas festas agendadas no calendário do de vez em quando.


Difícil é amar quando o outro desaba. Quando não acredita em mais nada. E entende tudo errado. E paralisa. E se vitimiza. E perde o charme. O prazo. A identidade. A coerência. O rebolado. Difícil amar quando o outro fica cada vez mais diferente do que habitualmente ele se mostra ou mais parecido com alguém que não aceitamos que ele esteja. Difícil é permanecer ao seu lado quando parece que todos já foram embora. Quando as cortinas se abrem e ele não vê mais ninguém na plateia. Quando até a própria alma parece haver se retirado.


Difícil é amar quando já não encontramos motivos que justifiquem o nosso amor, acostumados que estamos a achar que o amor precisa estar sempre acompanhado de explicação plausível, estatísticas promissoras, balancetes satisfatórios. Difícil amar quando momentaneamente parece existir somente apesar de. Quando a dor do outro é tão intensa que a gente não sabe o que fazer para ajudar. Quando a sombra se revela e a noite se apresenta muito longa. Quando o frio é tão medonho que nem os prazeres mais legítimos oferecem algum calor. Quando ele parece ter desistido principalmente dele próprio.


Difícil é amar quando o outro nos inquieta. Quando os seus medos denunciam os nossos e põem em risco o propósito que muitas vezes alimentamos de não demonstrar fragilidade, vulnerabilidade, invencibilidade, lógica. Quando a exibição das suas dores expõe, de alguma forma, também as nossas, as conhecidas e as anônimas, as antiquíssimas e as recém-nascidas. Quando o seu pedido de ajuda, verbalizado ou não, exige que a gente saia do nosso egoísmo, do nosso sossego, da nossa rigidez, do nosso faz-de-conta, para caminhar humanamente ao seu encontro. E, ao encontrá-lo, talvez lhe dizer a verdade: “eu sei o quanto você está doendo porque eu já doí também” ou “eu sei o quanto você está doendo porque estou doendo também, agora” e/ou “porque vivo, eu estou à mercê de doer de novo.”

Difícil é amar quando o outro repete o filme incontáveis vezes e a gente não aguenta mais a trilha sonora. Quando caminha pela vida como uma estrela doída que ignora o próprio brilho. Quando se tranca na própria tristeza com o aparente conforto de quem passa um feriadão à beira-mar. Quando sua autoestima chega a um nível tão lastimável que, com sutileza ou não, afasta as pessoas que acreditam nele. Quando parece que nós também estamos incluídos nesse grupo.

Difícil é amar quem não está se amando. Mas esse talvez seja, sim, o tempo em que o outro mais precisa se sentir amado. Eu não acredito na existência de botões, alavancas, recursos afins, que façam as dores mais abissais desaparecerem, nos tempos mais devastadores, por pura mágica. Mas eu acredito na fé, na vontade essencial de transformação, no gesto aliado à vontade, e, especialmente, no amor que recebemos, nas temporadas difíceis, de quem não desiste da gente. Acredito porque nos momentos mais doídos da minha jornada até aqui eu nunca encontrei nenhum botão mágico, mas tive fé, tive gesto, e, felizmente, tive quem me amasse sem desistir de mim.

A empatia, a memória, a honestidade emocional, são também grandes aliadas do amor.


Ana Jácomo
(sou fã mesmo, Linda!!!)

Gentileza



Uma palavra a ser incorporada em nosso "dicionário de atitudes"



Gentileza: qualidade ou caráter de gentil. Ação nobre, distinta, amável. Donaire, garbo, elegância. amabilidade, delicadeza.

Essa é a definição do dicionário Aurélio para gentileza. Para mim, entretanto, esta palavra agrega outros conceitos e valores, tais como, ética, respeito, educação e capacidade de se colocar no lugar do outro. Sendo assim, toda vez que usá-la no decorrer deste texto, estarei me referindo a esse significado mais amplo.

Mas por que escrever um texto sobre isso? Porque tenho observado o quanto, cada dia mais, essa é uma palavra que se encontra no ostracismo, uma atitude que caiu em desuso, embora me pareça essencial para a convivência e para a manutenção dos relacionamentos e, por que não dizer, da sobrevivência!

Não estou aqui falando da gentileza usada apenas de forma protocolar, mas da capacidade de um indivíduo de ser gentil, genuinamente. Digo isso, pois, atualmente, temos até leis que nos obrigam a praticar atos de gentileza, tais como: banco especial para os idosos nos ônibus, filas preferenciais nos bancos e mercados, etc. Penso que a necessidade de se criarem leis desse tipo denuncia a nossa absoluta falta de educação e de consciência do que é ser gentil e, sobretudo, do que significa a palavra respeito.

É fato que o mundo tem estado mais amargo, violento e agressivo e incluir a gentileza em nosso “dicionário de atitudes” pode deixá-lo um pouco mais doce e palatável.
Falamos e ouvimos falar o tempo todo do horror que nos causam as atrocidades cometidas por grupos terroristas, criminosos, governos corruptos, mães que espancam filhos, maridos que cometem atos de violência etc., etc., etc. Indignar-se pelas grandes atrocidades é fácil, mas será que conseguimos olhar para as pequenas maldades que cometemos em nosso dia a dia?

Sim, pois embora tenham diferentes graus e intensidade e sejam - em alguns casos- cometidas sem intenção, podemos ferir profundamente as pessoas que convivem direta ou indiretamente conosco ao brigar no trânsito, berrar palavrões, humilhar os outros, não recolher o cocô do seu cachorro da calçada, jogar lixo na rua, desrespeitar um idoso, gritar com nossos filhos ou maridos... E esses são apenas alguns exemplos de atitudes corriqueiras que traduzem a falta de gentileza.

Nos últimos dias, após presenciar algumas cenas, “tão cotidianas”, de desrespeito e agressão, senti brotar, pela primeira vez, um conflito dentro de mim: fiquei me perguntando se sou eu quem estou errada em não ser tão dura ou agressiva e me incomodar tanto com atos desse tipo. Diante do dilema, a resposta veio através da recusa incontestável em vestir uma armadura ou criar uma casca tão grossa que pudesse ferir a quem estivesse próximo a mim.

Não, definitivamente, não! Não creio que tenhamos que nos tornar pessoas grosseiras, bélicas, que tendem a se sentir desafiadas a disputar poder com alguém o tempo todo. Também não acredito que devamos ensinar nossos filhos a se defenderem com agressividade e não penso que sejamos obrigados a agir dessa forma para nos adaptarmos a este mundo!

Não quero dizer, com isso, que devemos perder a capacidade de nos indignar, nem que devemos ser frouxos, passivos ou silenciar por medo de demonstrar uma reação. Muito pelo contrário. Há que se ter muita força e sabedoria para saber calar quando necessário ou saber argumentar com firmeza, sem perder a dimensão do respeito e da delicadeza, ou ainda, saber o momento certo de agir com assertividade e objetividade.

Quem não se lembra do ato do estudante que, na China, se colocou diante de um tanque de guerra, sem nenhuma arma ou ameaça? Atitudes desse tipo exigem segurança e coragem... muita coragem...Segurança das suas convicções... certeza de estar agindo de acordo com seus ideais. Sim, porque ter um discurso pacifista ou julgar as pessoas que são indelicadas é muito simples e, na maior parte das vezes, ineficiente. Difícil e eficiente, mesmo, é ter o discurso e praticá-lo, nas pequenas coisas do cotidiano.

Quantos de nós, após anos de relação com alguém que verdadeiramente amamos, vamos deixando de lado a gentileza e a atenção que nos desdobrávamos em dar no início do relacionamento?
Quantos de nós somos muito mais amáveis com quem não conhecemos, ou com colegas de trabalho do que com nossos filhos e familiares?
Quantos de nós dizemos “bom dia” ou “obrigado” ao porteiro do prédio quando visitamos um amigo ou parente que mora lá, mas esquecemos de cumprimentar quem abre a porta todas as manhãs para nós?

Sim, tendemos a ser mais doces e educados com quem está longe. Esse tipo de gentileza também deve ser preservado, mas precisamos estar muito atentos também às nossas reações frente às diversas pessoas e situações que nos rodeiam.
No início, isso talvez exija um grande esforço, pois a primeira coisa que precisamos fazer é tomar consciência do que nos irrita ou nos enraivece. Essas são reações que fazem parte da natureza humana e, portanto, perfeitamente naturais e esperadas em qualquer pessoa. O problema está na forma de expressar esses sentimentos.

Aprender a ouvir é também outro aspecto que precisamos urgentemente desenvolver. Muitas vezes, disparamos a falar, a dar ordens, sem perceber que tiramos do outro o direito de argumentar. E, o que é pior, nem percebemos o quanto somos autoritários!
Agir com delicadeza e doçura não quer dizer aceitar tudo o que o outro é ou faz, mas saber colocar limites sem perder a razão.
Até porque, perdemos totalmente a razão quando nos tornamos agressivos ou invasivos. Podemos estar absolutamente certos, os argumentos podem ser legítimos, mas, se não soubermos nos colocar adequadamente, acabamos com todos os nossos direitos frente a qualquer situação. E, certamente, iremos ferir pessoas desnecessariamente.

Acredito que uma das formas de evolução do ser humano seja através da consciência da relação que estabelecemos com o mundo a nossa volta. Isto é, através da consciência de nossas atitudes e do cultivo diário da gentileza e do respeito com as pessoas, com as crianças, plantas, animais, com o lixo, com o trânsito, etc.
Mas, então, como buscar essa consciência e cultivar essas atitudes?
Em momento algum, teria a pretensão de dizer que sei qual a resposta certa para essa questão, tampouco acredito que exista apenas um caminho a ser seguido. Entretanto, penso que há algumas atitudes capazes de nos aproximarem de tornar isso possível:

Olhar para os nossos próprios desejos, mas não apenas para eles.

Aceitar que muitas vezes nossas vontades têm que ser adiadas.

Aprender a lidar com as inevitáveis frustrações que a vida nos impõe.

Levar em conta as necessidades e vontades do outro.

Tentar nos colocar no lugar do outro.

Perceber que cada pessoa é tão importante quanto nós mesmos e que tem o direito de existir e se manifestar.

Compreender que cada pessoa é única e tem o seu jeito de funcionar, de sentir e de viver, não tendo que atender às nossas ordens ou expectativas.

Respeitar regras e limites.

Assumir a parcela de responsabilidade que nos cabe frente às pessoas que nos rodeiam, à rua onde moramos, ao universo em que vivemos.

Fica aqui uma proposta de reflexão e a esperança de que cada indivíduo, a partir da consciência de si mesmo, tente resgatar a capacidade de agir com respeito e gentileza em sua vida. Assim como as sementes se espalham e criam novos frutos, são as pequenas atitudes que formarão a consciência necessária para que possamos deixar um mundo mais justo, ameno e habitável para nossos filhos, netos, bisnetos, tataranetos...



Sâmara Jorge
(psicoterapeuta Junguiana)

De repente


se você viesse
dia desses
hora dessas
e não tivesse tanta
pressa
se você chegasse
se fosse primavera
se eu soubesse disfarçar
ver você como uma
surpresa
que não se espera
se eu me calasse
não deixasse escapar
nas
entre
linhas
as coisas que são tuas
que quero como minhas
ah, se você viesse
se tudo acontecesse
uma benção dessas
se você ficasse
se você passasse
uma vida com a minha.




Cáh Morandi

Quando minha mente está calma



Quando a minha mente está calma, eu acesso uma confiança que é descanso e proteção. Uma fé genuína na preciosidade da vida. Sinto que tudo em mim se reorganiza, silenciosamente, o tempo todo. Que isso tem mais a ver com o meu olhar, com a natureza das sementes que rego, do que eu possa perceber. Minha expectativa, tantas vezes ansiosa, de que as coisas sejam diferentes, dá lugar à certeza tranquila de que, naquele momento, tudo está onde pode estar. Em vez de sofrer pelas modificações que ainda não consigo, eu me sinto grata pelas mudanças que já realizei. E relaxo.

Quando a minha mente está calma, eu acesso uma clareza que me permite sentir, com mais nitidez, que há uma sabedoria que abraça todas as coisas. Que o tempo tem uma habilidade singular para reinventar nosso roteiro com a gente, toda vez que redefinimos o que, de verdade, nos importa. Que há um contentamento perene no nosso coração. Um espaço de alimento amoroso. Uma fonte que buscamos raras vezes, acostumados a imaginar a felicidade somente fora de nós e a deslocá-la para distâncias onde não estamos.

Quando a minha mente está calma, os sentidos se expandem e me permitem refinar sensações e sentimentos. Posso saborear mais detalhes do banquete que está sempre disponível, mesmo quando eu não o percebo. Nesse lugar de calma e clareza, não há nada a desejar. Nada a esperar. Nada a buscar. Nenhum lugar onde ir. Eu me sinto sentada sob a sombra de uma árvore generosa, numa tarde azul sem pressa, os pássaros bordando o céu com o seu balé harmonioso. O meu coração é pleno, nenhuma fome. Plenitude não é extensão nem permanência: é quando a vida cabe no instante presente, sem aperto, e a gente desfruta o conforto de não sentir falta de nada.

Ana Jácomo

Felicidade

20 maio, 2011

Paga-se bem




Vou pôr um anúncio em negrito:
precisa-se de alguém homem ou mulher que ajude uma pessoa a ficar contente
porque esta está tão contente que não pode ficar sozinha com a alegria e
precisa reparti-la.
Paga-se extraordinariamente bem:
minuto por minuto paga-se com a própria alegria."



Clarice Lispector in:

A Descoberta do Mundo 
Que fique o bom, o belo.





Do medo que tenho

A Arte de perder


A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) não muda nada. 
Pois é evidente que a arte de perder não chega a ser mistério por muito que pareça (Escreve!) muito sério.


'A arte de perder', Elizabeth Bishop
tradução: Paulo Henriques Britto

Salvapantallas



Tengo tu voz,
tengo tu tos,
oigo tu canto en el mío.

Rumbos paralelos,
dos anzuelos
en un mismo río.

Vamos al mar,
vamos a dar
cuerda a antiguas vitrolas.

Vamos pedaleando
contra el viento,
detrás de las olas.

Tengo una canción
para mostrarte,
talvez cuando vaya....

Tengo tu sonrisa
en un rincón
de mi salvapantallas.

Años atrás
de pronto la casa
se llenó de canciones.

Músicas y versos
que brotaban
desde tantos rincones.

Vamos al mar,
vamos a dar
guerra con cuatro guitarras.

Vamos pedaleando
contra el tiempo,
soltando amarras.

Brindo por las veces
que perdimos
las mismas batallas.

Tengo tu sonrisa
en un rincón
de mi salvapantallas



Jorge Drexler


oração . a banda mais bonita da cidade

Achado da minha amiga Patty...AMEI!

A simplicidade sempre me encantou.


19 maio, 2011

Falta algum pouco para ser muito



"A poesia da vida é essa:
descobrir que não falta algum pouco para ser muito, muito feliz.
Que ainda há um pé de fé guardado, uma história que envolve e que
nos devolve assim, desinteressadamente, para nós mesmos."



Priscila Rôde



Pontos finais



"Chega de ficar quebrando a cara
Com os velhos erros de sempre.
Quero cometer erros novos,
Passar por apertos diferentes,
Experimentar situações desconhecidas,
Sair da rotina e do lugar comum.
Esse ano eu preciso crescer.

Chega de saber a saída

E ficar parado na porta,
Ensaiando os passos
Sem nunca entrar na estrada,
Esperando que me venha
O que eu mais preciso encontrar.
Esse ano, se eu tiver que sofrer,
será por sofrimentos reais
nunca mais por males imaginários,
Preocupado com coisas
Que jamais acontecerão.
Chega de planejar o futuro e tropeçar no presente.
Chega de pensar demais e fazer de menos.
Chega de pensar de um jeito e fazer de outro.
Chega do corpo dizer sim e a cabeça não.
Chega desses intermináveis conflitos que
Me fazem adiar para nunca a minha decisão.
Este ano eu vou viver."




(Vinícius de Moraes )



“Só agora eu sinto que as minhas asas eram maiores que as dele, e que ele se contentava com os ares baixo; eu queria grandes espaços, amplitudes azuis onde meus olhos pudessem se perder e meu corpo pudesse se espojar sem medo nenhum. Queria e quero- ainda. Voar junto com alguém, não sozinha.”



- Caio Fernando Abreu.


18 maio, 2011

"Te Amo"




Mas o pior não é não conseguir
É desistir de tentar
Não acredite no que eles dizem
Perceba o medo de amar
Eu cresci ouvindo anedotas, clichês e chacotas, frustrações
Sobre amasiar, se casar, se entregar seria fraquejar
Te amo, Te amo, Te amo
Te amo, Te amo, Te amo
E se o tempo levar você, e um dia eu te olhar e não te reconhecer
E se o romance se desconstruir, perder o sentido e me esquecer por ai
Mas nós somos um quadro de Klimt, O beijo para sempre, fagulhando em cores
Resistindo a tudo seremos dois velhos felizes de mãos dadas numa tarde de sol
Pra sempre
Te amo, te amo, te amo
Te amo, te amo, te amo

Composição: Vanessa da Mata

Quantas vezes eu assassinei o amor?



O amor nunca morre de morte natural. 
Añais Nin estava certa.*

Morre porque o matamos ou o deixamos morrer.
Morre envenenado pela angústia.
 Morre enforcado pelo abraço. 
Morre esfaqueado pelas costas. 
Morre eletrocutado pela sinceridade. 
Morre atropelado pela grosseria.
 Morre sufocado pela desavença.
Mortes patéticas, cruéis, sem obituário e missa de sétimo dia.
Mortes sem sangramento. Lavadas. Com os ossos e as lembranças deslocados.
O amor não morre de velhice, em paz com a cama e com a fortuna dos dedos.
Morre com um beijo dado sem ênfase. Um dia morno. Uma indiferença. 
Uma conversa surda. Morre porque queremos que morra. 
Decidimos que ele está morto. Facilitamos seu estremecimento. 
O amor não poderia morrer, ele não tem fim. Nós que criamos a despedida por não suportar sua longevidade. Por invejar que ele seja maior do que a nossa vida.
O fim do amor não será suicídio. O amor é sempre homicídio. 
A boca estará estranhamente carregada.
Repassei os olhos pelos meus namoros e casamentos. Permiti que o amor morresse. 
Eu o vi indo para o mar de noite e não socorri. 
Eu vi que ele poderia escorregar dos andares da memória e não apressei o corrimão. 
Não avisei o amor no primeiro sinal de fraqueza. No primeiro acidente. 
Aceitei que desmoronasse, não levantei as ruínas sobre o passado. 
Fui orgulhoso e não me arrependi. Meu orgulho não salvou ninguém. 
O orgulho não salva, o orgulho coleciona mortos.
No mínimo, merecia ser incriminado por omissão.
Mas talvez eu tenha matado meus amores. 
Seja um serial killer. Perigoso, silencioso, como todos os amantes, com aparência inofensiva de balconista. Fiz da dor uma alegria quando não restava alegria.
Mato; não confesso e repito os rituais.
 Escondo o corpo dela em meu próprio corpo. 
Durmo suando frio e disfarço que foi um pesadelo. 
Desfaço as pistas e suspeitas assim que termino o relacionamento. 
Queimo o que fui. E recomeço, com a certeza de que não houve testemunhas.
Mato porque não tolero o contraponto. A divergência. Mato porque ela conheceu meu lado escuro e estou envergonhado. Mato e mudo de personalidade, ao invés de conviver com minhas personalidades inacabadas e falhas.
Mato porque aguardava o elogio e recebia de volta a verdade.
O amor é perigoso para quem não resolveu seus problemas. O amor delata, o amor incomoda, o amor ofende, fala as coisas mais extraordinárias sem recuar. O amor é a boca suja. O amor repetirá na cozinha o que foi contado em segredo no quarto. O amor vai abrir o assoalho, o porão proibido, fazer faxina em sua casa. Colocar fora o que precisava, reintegrar ao armário o que temia rever.
O amor é sempre assassinado. Para confiarmos a nossa vida para outra pessoa, devemos saber o que fizemos antes com ela.



Fabrício Carpinejar



* “O amor nunca morre de morte natural... Ele morre porque nós não sabemos como renovar a sua fonte... Morre de cegueira e dos erros e das traições... Morre de doença e das feridas... morre de exaustão, das devastações, da falta de brilho...” 

Anais Nin




17 maio, 2011

Poema



Eu hoje tive um pesadelo e levantei atento, a tempo

Eu acordei com medo e procurei no escuro

Alguém com seu carinho e lembrei de um tempo

Porque o passado me traz uma lembrança

Do tempo que eu era criança

E o medo era motivo de chôro

Desculpa para um abraço ou consolo

Hoje eu acordei com medo, mas não chorei

Nem reclamei abrigo

Do escuro eu via um infinito sem presente

Passado ou futuro

Senti um abraço forte, já não era medo

Era uma coisa sua que ficou em mim (que não tem fim)

De repente a gente vê que perdeu

Ou está perdendo alguma coisa

Morna e ingênua

Que vai ficando no caminho

Que é escuro e frio, mas também bonito

Porque é iluminado

pela beleza do que aconteceu

Há minutos atrás.

Cazuza/ Frejat

Quietude

Nenhum barulho ensurdece 
quando
você se fecha
dentro da própria cabeça


A cadência da quietude,
a pressão dolorosa
do vácuo, espaçoso,
dentro de si


Tenho uma gama
de embalos,
uma sucessão de deslizes
nas notas mais agudas.


O silêncio
ainda me cabe como uma luva






Samantha Abreu


”Eu adoro todas as coisas e o meu coração é um albergue aberto toda a noite. Tenho pela vida um interesse ávido que busca compreendê-la sentindo-a muito. Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo, aos homens e às pedras, às almas e às máquinas, para aumentar com isso a minha personalidade.
Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio e a minha ambição era trazer o universo ao colo, como uma criança a quem a ama beija.
Eu amo todas as coisas, umas mais do que as outras, não nenhuma mais do que outra, mas sempre mais as que estou vendo do que as que vi ou verei. Nada para mim é tão belo como o movimento e as sensações. 
A vida é uma grande feira e tudo são barracas e saltimbancos. Penso nisto, enterneço-me mas não sossego nunca. ”

Simplesmente ame!


O amor é um exercício de jardinagem. 
Arranque o que faz mal, 
prepare o terreno, 
semeie,
seja paciente,
regue e cuide. 
Esteja preparado porque haverá pragas, 
secas ou excesso de chuvas, 
mas nem por isso abandone o seu jardim. 
Aceite,valorize, respeite, dê afeto, ternura, admire e compreenda.

Simplesmente AME!



Padre Marcelo Rossi

15 maio, 2011

Os dias lindos





Não basta sentir a chegada dos dias lindos.
É necessário proclamar:
"Os dias ficaram lindos"....




(Os dias lindos, Carlos Drummond de Andrade)

Casamento



Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.

O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

A Casa é Sua - Arnaldo Antunes

Amo demais....as composições do Arnaldo falam direto ao meu coração.

Espero que curtam

Bom domingo!!!

14 maio, 2011

Retrovisor



Pelo retrovisor enxergamos tudo ao contrário
Letras, lados, lestes
O relógio de pulso pula de uma mão para outra
E na verdade nada muda

O menino que me pediu R$0,10
É um homem de idade no meu retrovisor
A menina debruçando favores toda suja
É mãe de filhos que não conhece
Vende-os por açúcar, prendas de quermece

A placa do carro da frente
Se inverte quando passo por ele
E nesse tráfego acelero o que posso
Acho que não ultrapasso
E quando o faço nem noto

Outras flores e carros surgem no meu retrovisor
Retrovisor é passado, 
é de vem em quando do meu lado
Nunca é na frente
É o segundo mais tarde, próximo, seguinte
É o que passou e muitas vezes ninguém viu

Retrovisor nos mostra o que ficou
O que partiu, o que agora só ficou no pensamento
Retrovisor é mesmice em trânsito lento
Retrovisor mostra meus olhos com lembranças mal resolvidas

Mostra as ruas que escolhi
Calçadas e avenidas
Deixa explícito que se for pra frente
Coisas ficarão pra trás
A gente só nunca sabe que coisas são essas


Fernando Anitelli
Teatro Mágico

Quem gostou da Ideia