20 maio, 2010

Uma relação ainda delicada


Como ser romântico sem parecer bobo ou machista?

Abrir a porta do carro para a mulher ou namorada, puxar a cadeira para que ela se sente, pagar a conta no restaurante... Todas essas são atitudes masculinas que se enraizaram ao longo de décadas e se cristalizaram como sendo exemplos típicos de "cavalheirismo". Talvez até, para alguns, um pouco démodé, mas ainda assim válidos. Mas será mesmo? Nestes tempos de polaridade invertida, pequenos gestos de gentileza podem ser confundidos - e muitas mulheres e homens realmente os confundem - com sinais de subserviência, fragilidade ou, no extremo oposto, machismo. Nenhuma dessas opções é agradável, e o resultado é quase esquizofrênico. "O homem está acuado e a mulher perdida", diagnostica o psicólogo Esdras Vasconcellos, da Universidade de São Paulo. "O homem moderno, de uma forma geral, perdeu a noção de seu papel em uma relação afetiva. As exigências são muitas, e ambivalentes." Como "ambivalência", nesse caso, o psicólogo - que há mais de duas décadas ministra cursos sobre o amor e os relacionamentos amorosos, no Brasil e no Exterior - enumera algumas situações que, antes de solucionar o problema, podem emaranhá-lo ainda mais.

"A mulher exige que o homem seja forte, mas ela quer ser mais forte ainda; quer que ele fale duro, mas não seja machista; quer ser adulada, mas sem que o companheiro se mostre fraco", exemplifica Vasconcellos. "Esta é uma equação de resultado praticamente impossível, o que acaba por deixar os inseguros ainda mais fragilizados. Em conseqüência, podemos ver um número cada vez maior de homens sofrendo de depressão e síndrome de pânico, o que é alarmante." Dentro de toda essa confusão, no entanto, ainda há uma saída. Talvez um tanto óbvia, mas que fica eclipsada pelo grau de exigências impostas. "O homem que tem personalidade, que sabe valorizar a mulher - que é o que ela realmente quer -, sem parecer inferiorizado, torna-se ponto de atração. Mas, para isso, ele tem de estar muito seguro de seu papel, tem de estar em equilíbrio", atesta o psicólogo da USP. Esse equilíbrio aludido por Vasconcellos pode não ser fácil de alcançar, mas há muita gente tentando pelo menos tangenciá-lo, nem que seja de um modo muito particular. Que o diga o delegado de polícia paulista Hélio Bressan. Para ele, essa aritmética de gêneros em ebulição é bem mais simples.
"O homem quer poder, de todas as formas, e a mulher quer se sentir protegida. Ser gentil, cavalheiro, é uma coisa que está em mim, creio que é minha obrigação, curto muito, e não acho que seja frescura", afirma ele, que, aos 44 anos, já passou por três casamentos e tem três filhos. Simplista ou não, a teoria de Bressan faz sentido - pelo menos ele não tem recebido queixas. "Elas gostam do meu jeito, se sentem bem", garante. Mas, quando a ação passa para o outro lado do balcão, o cenário muda. Bressan confessa que se sente pouco à vontade quando uma mulher quer tomar todas as iniciativas, fazer coisas que, a seu ver, seriam parte de suas atribuições, e não das dela - por mais que hoje as mulheres venham assumindo posturas e atitudes que, ao menos, procuram "empatar" esse jogo intrincado. "Uma mulher muito incisiva, que quer mandar e desmandar, que quer medir forças comigo me incomoda. Não consigo ser eu mesmo", afirma ele, que, no entanto, faz questão da ressalva: "Mas não me importo de ser paquerado e adoro mulher inteligente". Essa não-aceitação de determinadas atitudes femininas (ou feministas), contudo, não deve ser confundida com algum resquício de machismo ou de suposta superioridade genética. Nada disso. Talvez seja a tal busca do equilíbrio de que fala o professor Esdras Vasconcellos e de, antes de mais nada, manter a personalidade, mesmo que isso custe inadvertidamente alguns chavões mal colocados. Porque, se há muitos pesos e medidas em jogo, a balança do relacionamento não deve - teoricamente - pender para nenhum lado. "O que não pode haver é inversão de valores, disputa ou competição entre homens e mulheres, e sim companheirismo. Temos de aprender cada vez mais a compartilhar", acredita o publicitário Gian Santamaria, de 30 anos. Casado há cerca de um ano, ele crê que esse aprendizado esteja apenas começando."Está havendo uma série de mudanças no comportamento das pessoas, dos casais, e sei que tenho muita coisa ainda a aprender. Faço parte de uma sociedade que se fundamentou no machismo, mas isso está mudando. O problema é que, muitas vezes, a atitude machista está na cabeça das mulheres, e não na ação propriamente dita do homem", afirma. E ilações assim podem surgir quando menos se espera. "Certa vez, minha mulher foi me pegar no aeroporto e um ônibus bateu no carro dela. Ela saiu para discutir com o outro motorista e eu, imediatamente, fiquei a sua frente. Ela achou que eu havia sido machista, quando, na verdade, queria apenas protegê-la de uma eventual agressão. Não podia ficar de braços cruzados, vendo-a bater boca com o outro sujeito. Felizmente, depois ela compreendeu." Se atitudes assim podem ainda confundir um pouco, levando a compreensão por caminhos mais tortuosos, outras são bem mais fáceis de lidar. Como cuidar da casa, coisa que os analistas de relacionamentos consideram extremamente saudável para o casal e que só faz o homem ser mais respeitado e valorizado. Santamaria e Andréia, sua mulher, dividem as tarefas caseiras com desenvoltura, sem entrar naquela de que "isso eu faço, isso eu não faço". A regra é simples: o primeiro a chegar, por exemplo, prepara o jantar para o outro. "Quando há a divisão, e não a obrigação, de cuidar das tarefas domésticas, é bem mais tranqüilo", afirma. "Afinal, minha mulher, que também é publicitária, trabalha às vezes tanto quanto eu, e não vejo problema nenhum em chegar mais cedo e começar a preparar o jantar." Riscos de ver a masculinidade arranhada? Para ele, isso não existe. "Meu pai acha que é um absurdo. Mas para mim é absolutamente normal."


MARCELLO ROLLEMBERG
Revista Época

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