10 setembro, 2011

Aos Namorados do Brasil



Dai-me, Senhor, assistência técnica 
para eu falar aos namorados do Brasil. 
Será que namorado algum escuta alguém? 
Adianta falar a namorados? 
E será que tenho coisas a dizer-lhes 
que eles não saibam, eles que transformam 
a sabedoria universal em divino esquecimento? 
Adianta-lhes, Senhor, saber alguma coisa, 
quando perdem os olhos 
para toda paisagem , 
perdem os ouvidos 
para toda melodia 
e só vêem, só escutam 
melodia e paisagem de sua própria fabricação?

Cegos, surdos, mudos - felizes! - são os namorados 
enquanto namorados. Antes, depois 
são gente como a gente, no pedestre dia-a-dia. 
Mas quem foi namorado sabe que outra vez 
voltará à sublime invalidez 
que é signo de perfeição interior. 
Namorado é o ser fora do tempo, 
fora de obrigação e CPF, 
ISS, IFP, PASEP,INPS.

Os códigos, desarmados, retrocedem 
de sua porta, as multas envergonham-se 
de alvejá-lo, as guerras, os tratados 
internacionais encolhem o rabo 
diante dele, em volta dele. O tempo, 
afiando sem pausa a sua foice, 
espera que o namorado desnamore 
para sempre. 
Mas nascem todo dia namorados 
novos, renovados, inovantes, 
e ninguém ganha ou perde essa batalha.

Pois namorar é destino dos humanos, 
destino que regula 
nossa dor, nossa doação, nosso inferno gozoso. 
E quem vive, atenção: 
cumpra sua obrigação de namorar, 
sob pena de viver apenas na aparência. 
De ser o seu cadáver itinerante. 
De não ser. De estar, e nem estar.

O problema, Senhor, é como aprender, como exercer 
a arte de namorar, que audiovisual nenhum ensina, 
e vai além de toda universidade. 
Quem aprendeu não ensina. Quem ensina não sabe. 
E o namorado só aprende, sem sentir que aprendeu, 
por obra e graça de sua namorada.

A mulher antes e depois da Bíblia 
é pois enciclopédia natural 
ciência infusa, inconsciente, infensa a testes, 
fulgurante no simples manifestar-se, chegado o momento. 
Há que aprender com as mulheres 
as finezas finíssimas do namoro. 
O homem nasce ignorante, vive ignorante, às vezes morre 
três vezes ignorante de seu coração 
e da maneira de usá-lo.

Só a mulher (como explicar?) 
entende certas coisas 
que não são para entender. São para aspirar 
como essência, ou nem assim. Elas aspiram 
o segredo do mundo.

Há homens que se cansam depressa de namorar, 
outros que são infiéis à namorada. 
Pobre de quem não aprendeu direito, 
ai de quem nunca estará maduro para aprender, 
triste de quem não merecia, não merece namorar.

Pois namorar não é só juntar duas atrações 
no velho estilo ou no moderno estilo, 
com arrepios, murmúrios, silêncios, 
caminhadas, jantares, gravações, 
fins-de-semana, o carro à toda ou a 80, 
lancha, piscina, dia-dos-namorados, 
foto colorida, filme adoidado,, 
rápido motel onde os espelhos 
não guardam beijo e alma de ninguém.

Namorar é o sentido absoluto 
que se esconde no gesto muito simples, 
não intencional, nunca previsto, 
e dá ao gesto a cor do amanhecer, 
para ficar durando, perdurando, 
som de cristal na concha 
ou no infinito.

Namorar é além do beijo e da sintaxe, 
não depende de estado ou condição. 
Ser duplicado, ser complexo, 
que em si mesmo se mira e se desdobra, 
o namorado, a namorada 
não são aquelas mesmas criaturas 
que cruzamos na rua. 
São outras, são estrelas remotíssimas, 
fora de qualquer sistema ou situação. 
A limitação terrestre, que os persegue, 
tenta cobrar (inveja) 
o terrível imposto de passagem: 
"Depressa! Corre! Vai acabar! Vai fenecer! 
Vai corromper-se tudo em flor esmigalhada 
na sola dos sapatos..." 
Ou senão: 
"Desiste! Foge! Esquece!" 
E os fracos esquecem. Os tímidos desistem. 
Fogem os covardes. 
Que importa? A cada hora nascem 
outros namorados para a novidade 
da antiga experiência. 
E inauguram cada manhã 
(namoramor) 
o velho, velho mundo renovado. 



Carlos Drummond de Andrade

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