22 abril, 2008

* Sobre Amizade*

“Que qualidade primeira a gente deve esperar de alguém com quem pretende um relacionamento?” Perguntou o jovem jornalista, e respondi: “Aquela que se esperaria do melhor amigo.”

O resto, é claro, seriam os ingredientes da paixão, que vão além da amizade. Mas a base estaria ali: na confiança, na alegria de estar junto, no respeito, na admiração. Em não poder imaginar a vida sem aquela pessoa.

Pode ser um bom critério. Não digo de escolha – pois amor é instinto e intuição – mas uma dessas opções mais profundas, arcaicas, que a gente faz até mesmo sem saber, pra crescer ou para se destruir.

Eu não queria como parceiro de vida quem não pudesse querer como amigo. E amigos fazem parte de meus alicerces emocionais: São um dos ganhos que a passagem do tempo me concedeu.

Falo daquela pessoa que posso telefonar não importa onde ela esteja, nem a hora do dia ou da madrugada, e dizer: “Estou mal, preciso de você.” E ele ou ela estará comigo, pegando um carro, um avião, correndo alguns quarteirões a pé, ou simplesmente ficando ao telefone o tempo necessário para que eu me recupere, me reencontre, me reaprume, não me mate, seja lá o que for.

Falo daquelas amizades para as quais eu sou apenas uma pessoa com manias e brincadeiras, eventuais tristezas, erros e acertos, os anos de chumbo e uma generosa parte de ganhos nesta vida.

Com uma dessas amizades posso fazer graça ou fazer fiasco, chorar, eventualmente dizer palavrão quando me irrito ou quando esmago o dedo na porta. (ou sempre que me der vontade, aliás).

Amizade é meio amor, sem algumas das vantagens dele mas sem o ônus do ciúme – o que é, cá entre nós, uma bela vantagem.

Ser amigo é rir junto, é dar ombro pra chorar, é poder criticar (com carinho, por favor), é poder apresentar o namorado ou namorada, é poder aparecer de chinelo de dedo ou roupão, é poder até brigar e voltar um minuto depois, sem ter que dar explicação nenhuma.

Amiga é aquela a quem se pode ligar quando a gente ta com febre e não quer sair pra pegar as crianças na chuva: a amiga vai e pega junto com as dela, e até nem tem criança naquele colégio.

Amigo é aquele a quem a gente recorre quando se angustia demais, e ele chega confortando, chamando de “minha gatona” mesmo que a gente esteja um trapo.

Amigo, amiga, é um dom incrível, isso eu soube desde cedo, e não viveria sem eles.

Com eles, sem grandes conversas, nem palavras explicitas, aprendi solidariedade, simplicidade, honestidade e carinho.

Sem razão especial ou data marcada, estou homenageando aqueles, aquelas, que têm estado comigo seja como for, para o que der e vier, mesmo quando estou cansada, estou burra, estou irritada ou desatinada – pois às vezes eu sou tudo isso, ah sim.

É bom mesmo é que na amizade, se verdadeira, a gente não precisa se sacrificar, nem compreender, nem perdoar, nem fazer malabarismo sexuais, nem inventar desculpas, nem esconder rugas ou tristezas. A gente pode simplesmente ser: que alívio, neste mundo complicado e desanimador, deslumbrante e terrível, fantástico e cansativo.

Pois o verdadeiro amigo é confiável e estimulante, engraçado e grave, às vezes irritante; pode se afastar, mas sabemos que retorna; ele nos agüenta e nos chama, nos dá impulso e abrigo, e nos faz ser melhores: como o verdadeiro amor.

Lya Luft - Em outras palavras*


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